Internacional

Ataque em Moçambique. “A situação está crítica. Não sabemos como vamos sair daqui. Seja o que Deus quiser"

Cerco de rebeldes em Palma, na província de Cabo Delgado, levou quase 200 pessoas a procurar abrigo no hotel Amarula Lodge. Tentativa de resgate provocou várias vítimas mortais e um português ficou gravemente ferido

“A situação neste momento é crítica em Palma. Estamos sob ataque desde ontem, quando eles começaram a atacar pessoas com catanas, a partir das 15h foi ataque armado, já estamos há 24 horas sob fogo cruzado. Não sabemos como a gente vai sair daqui. Não sabemos se vamos chegar ao mar, se vamos ser evacuados, quando, a que horas, como e por quem”. O relato é de um dos cidadãos que se refugiaram no hotel Amarula Lodge, em Palma, na província moçambicana de Cabo Delgado.

O vídeo, que terá sido gravado ainda antes de uma tentativa de evacuação que esta sexta-feira provocou várias vítimas mortais, espelha o receio de um das quase 200 pessoas que procuraram abrigo no Amarula Lodge depois de a meio da semana rebeldes islâmicos ligados ao movimento radical Al-Shabab terem avançado sobre Palma, ameaçando muitos dos expatriados que estão a trabalhar na região para um mega-projeto de exploração de gás natural.

“Os helicópteros estão a sobrevoar a zona do Amarula Hotel para terem a certeza de que a estrada está livre para a gente tentar chegar até à praia para apanhar um batelão, mas conforme estão a ouvir não sabemos se será possível. A situação está crítica. Não temos comida, só temos água. Então… seja o que Deus quiser, seja o que Deus quiser”, relata o cidadão retido no hotel, cuja identidade o Expresso não conseguiu apurar.

Quase duas centenas de trabalhadores procuraram refúgio no Amarula Lodge nos últimos dias. E segundo os relatos das agências noticiosas uma tentativa de resgate de parte dos expatriados correu mal, tendo sido intercetada pelos rebeldes. Segundo uma fonte dos serviços de segurança que operavam na região, citada pelo “The Times”, há “muitas vítimas”, porque de um total de 17 veículos que saíram do Amarula para tentar levar parte dos cidadãos que aí se encontravam apenas sete viaturas escaparam.

Este sábado a agência Lusa dava conta de sete vítimas mortais e um português gravemente ferido, informação confirmada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.

O ataque dos rebeldes islâmicos em Palma aconteceu na quarta-feira, um dia depois de a petrolífera francesa Total ter acordado com o Governo de Moçambique uma retoma gradual dos trabalhos nas instalações de liquefação de gás natural na península de Afungi, na província de Cabo Delgado, depois de essa operação ter sido suspensa em janeiro, devido à escalada de insegurança.

O projeto Mozambique LNG, liderado pela Total, é um dos maiores investimentos em curso em Moçambique, envolvendo várias outras empresas, como a japonesa Mitsui, a tailandesa PTTEP (dona da portuguesa Partex, comprada à Fundação Calouste Gulbenkian), entre outras empresas.

Paralelamente, também na região Norte de Moçambique, em Cabo Delgado, um outro consórcio, a portuguesa Galp integra com uma participação de 10% o projeto da Área 4, para a produção de gás natural no offshore moçambicano. Este consórcio é liderado pela ExxonMobil e Eni, contando ainda com participações da chinesa CNPC, da coreana Kogas e da moçambicana ENH.

Contactada pelo Expresso, fonte oficial da Galp indicou que a petrolífera portuguesa não tem atualmente qualquer funcionário seu na região.

O ataque

Segundo informações recolhidas pelo Expresso, o ataque dos rebeldes aconteceu na tarde de quarta-feira, com o corte de uma estrada cerca de um quilómetro a sul de Palma.

Os insurgentes atacaram o centro empresarial Palma Business Park e saquearam duas agências bancárias, do Standard Bank e do Millennium BIM.

Vários habitantes terão procurado refúgio nas áreas de mato em Palma, que ficou com os seus acessos rodoviários cortados.

Ainda durante a tarde de quarta-feira as autoridades moçambicanas conseguiram reprimir os rebeldes, mas muitos terão encontrado refúgio dentro das habitações no centro de Palma.

Na quinta-feira os rebeldes prosseguiram o ataque, cercando o Amarula Lodge, tendo sido nessa altura que vários helicópteros sobrevoaram essa região para avaliar as possibilidades de resgate.

Na sexta-feira a organização Human Rights Watch informou ter recebido de várias testemunhas relatos de corpos nas ruas e habitantes em fuga perante os ataques dos rebeldes ligados ao movimento islâmico Al-Shabab.

Os rebeldes têm promovido sucessivos ataques a aldeias e vilas no Norte de Moçambique ao longo dos últimos anos, estimando-se que essas ofensivas tenham já causado 2600 mortes, metade das quais civis.