70 anos da NATO. Estamos a falar de uma organização que está envelhecida ou saber envelhecer?
70 anos, hoje em dia, é ser-se muito novo e a NATO também faz jus ao nosso tempo nesse sentido. 70 anos de enormes sucessos e de ser a principal garantia da nossa segurança coletiva.
Mas pode dizer-se que as relações entre os Aliados melhoraram desde a última Cimeira - em julho do ano passado - marcada pelo bluff de Donald Trump sobre uma eventual saída dos EUA da NATO? E há também as recentes declarações polémicas do Presidente francês a criticar o estado da Organização.
As relações entre 29 países - em breve 30 (com a República da Macedónia do Norte) - com líderes que têm obviamente personalidades muito vincadas e ideias próprias e países que têm interesses estratégicos que foram evoluindo com o tempo, é obra notável conciliar esses interesses e criar um debate.
Tem dito que estas cimeiras da NATO são "uma profissão de fé". Isso vai acontecer também em Londres?
Não tenho dúvida nenhuma. A declaração que vai sair dessa reunião de líderes é isso mesmo: é uma profissão de fé, é um testemunho muito importante. E ficará certamente na história da Aliança Atlântica, na vitalidade, na grande importância que continua a ter, sobretudo do ponto de vista da segurança e da defesa.
Não está em "morte cerebral" como disse Emmanuel Macron
Só uma organização que fosse monolítica - que não debatesse, onde não houvesse confronto de ideias, onde não houvesse divergências para serem discutidas de uma forma muito franca e muito inteligente - é que estaria nessas condições. Eu sou testemunha quotidiana de que a NATO está bem e recomenda-se.
Este fim-de-semana ouvimos o primeiro-ministro grego queixar-se de "descaradas violações do direito internacional" por parte da Turquia. E há também a questão da recente da ofensiva turca na Síria. De que forma é que estas questões sensíveis vão ser abordadas na Cimeira?
A Turquia é uma aliado absolutamente vital no quadro da NATO. A posição geostratégica da Turquia é única. Basta pensar na Síria, no Iraque. A Turquia está numa situação geográfica altamente complexa. Aquilo que é muito importante é que - para além dessas dificuldades que a ofensiva turca na Síria causou - saia um caminho claro que permita que essas diferenças sejam aplanadas e que a Turquia possa continuar a desempenhar o seu papel relevantíssimo no quadro da Aliança Atlântica, em benefício da segurança coletiva.
Mas não se fecha demasiado os olhos às decisões de Ancara?
Eu julgo que na NATO não há essa prática de fechar os olhos, pelo contrário. Para além de circunstancialismos históricos, há que perceber o contexto estratégico, há que perceber que a Turquia é vital para a nossa segurança coletiva.
Apesar de todos os temas difíceis em cima da mesa, no final sairá um entendimento da Cimeira que decorre no Reino Unido, nomeadamente sobre a questão da reflexão futura?
Quanto à reflexão sobre o futuro da NATO - que está também na ordem do dia - ainda é muito cedo para dizer que forma vai ter, que modalidade vai assumir, se vai ser algo parecido com aquilo que se fez no final dos anos 60 com o famoso relatório Harmel ou se vai assumir outro formato.
Vamos ter essa resposta esta quarta-feira?
Não tenho dúvida que alguma coisa vai surgir (da Cimeira) para nos saciar a curiosidade.
O que poderia ser uma inovação?
O relatório Harmel introduz a componente "diálogo" no relacionamento da NATO com o seu adversário principal da época: a União Soviética. Para além disso, reflete sobre o reforço da dimensão política da NATO e julgo que é para aí que esta reflexão aprofundada vai apontar: para um reforço da dimensão política da Aliança Atlântica. Mas isso está nas mãos dos líderes e são eles que vão a palavra decisiva.
E que importância tem essa dimensão política, numa altura em que o Reino Unido está a sair da União Europeia?
O Reino Unido é o segundo maior contribuinte em matéria de defesa no quadro da NATO. Se o Brexit se materializar, é natural que o papel do Reino Unido no quadro da NATO saia mais valorizado e fortalecido.
Quanto à questão da repartição de despesas, está ultrapassada? Ou veremos novamente Donald Trump queixar-se que a Europa paga de menos?
Espera-se uma abordagem positiva. As despesas dos Aliados europeus em matéria de defesa foram diminuindo ao longo do tempo, até 2014. Viveram aquilo que a que se convencionou chamar os anos do dividendo da paz. Em 2014, a anexação ilegal e ilegítima da Crimeia pela Rússia, a intervenção russa no leste da Ucrânia e um contexto estratégico e até securitário muito mais complexo e perigoso (...) impõe que os países membros da NATO aumentem as suas despesas com a defesa. O que estão a fazer de forma significativa. A curva descendente não só parou, como há neste momento uma claríssima curva ascendente.
Todos estão a cumprir? O compromisso com o investimento em defesa é que todos os Aliados cheguem a pelo menos 2% do PIB até 2024.
Todos estamos a contribuir nesse sentido. Uns mais depressa do que outros. E é importante pensar que as despesas com a defesa não são apenas despesas do ponto de vista financeiro. Basta pensar no que Portugal está a fazer no domínio da ciberdefesa, investindo significativamente para criar as condições para que a Academia da NATO - que recentemente iniciou funções em Oeiras - tenha um papel relevante nessa matéria.
O seu mandato de quatro anos como embaixador na NATO está a terminar. Que balanço faz?
Foram anos extraordinários. Não é a primeira vez que eu lido com assuntos da NATO. Este foi o meu primeiro posto diplomático em 87 e tive o privilégio de ser convidado para ser chefe de gabinete adjunto do (então) Secretário-Geral Manfred Wörner, num período que coincidiu com a queda do Muro de Berlim, a implosão da ex-União Soviética, a abertura da NATO e das instituições europeias aos países do centro de resto da Europa. Voltei há 4 anos, vindo da embaixada em Berlim, para encontrar uma NATO diferente. Maior, mais alargada. Os desafios hoje são muito diferentes do que eram na época, (como) o terrorismo, as fragilidades e instabilidades da vizinhança a sul e uma Rússia assertiva e agressiva como se viu em relação ao que aconteceu na Crimeia. Mas o mais importante e a lição que tiro é que a relação transatlântica - e a importância de que representa o ocidente em matéria de segurança e defesa, mas também de comunidade de valores - isso permanece intacto. A NATO, nesse sentido, é a mesma, com o mesmo ADN desde a sua fundação há 70 anos.
Vai agora para um novo posto em Praga, não será menos agitado?
A República Checa, com os países da região, tem vindo a assumir uma importância acrescida no quadro do debate dentro da União Europeia. Viu-se o papel que desempenharam no momento em que se definiam as novas lideranças para as instituições europeias. Mas também do ponto de vista da NATO e da segurança, na sua relação com os Estados Unidos. Vai tornar o meu trabalho fascinante.
Tão "fascinante" como os anos da Troika, em que foi embaixador em Berlim?
São tempos diferentes, não são comparáveis. O meu período em Berlim coincidiu com o período mais difícil do programa de ajustamento económico e financeiro a que Portugal estava submetido. E a Alemanha - e as suas instituições financeiras - era dos principais credores e interlocutores de Portugal neste contexto. Um período muito difícil e complexo, onde era fundamental reganhar a confiança dos nossos interlocutores. Na Alemanha, durante o meu mandato, tinha mais interlocução com o ministério das Finanças e com a chancelaria federal do que com o ministério dos Negócios Estrangeiros. Foi um período fascinante e sobre ele escrevi um livro, que já tem título.
E qual é o título?
"Diplomacia em tempo de Troika", sobre o que a diplomacia portuguesa fez em prol do interesse nacional, num dos períodos mais difíceis - se não o mais difícil - da história recente. E espero ver o livro publicado no momento oportuno. Pedi autorização (ao Ministério dos Negócios Estrangeiros) para que o livro fosse publicado e aguardo que essa autorização seja concedida para poder publicar.
É um livro de críticas ou elogios ao Governo de Passos Coelho?
O meu livro é um elogio a Portugal e aos portugueses durante o programa de ajustamento. Eu julgo que o Governo Passos Coelho teve uma enorme coragem na forma como conduziu o programa. Independentemente daquilo que se pense sobre as raízes do programa de ajustamento económico e financeiro, as razões pelas quais ele nos foi imposto naqueles termos, e independentemente do que se pense sobre a forma como ele foi conduzido e até sobre as suas consequências - e houve muitas consequências que foram dolorosas para os portugueses - uma coisa eu sei: é que ali, na Alemanha, onde a confiança em Portugal, na economia portuguesa, nas instituições portuguesas se tinha perdido, foi possível reconquistar essa confiança.
E os anos da NATO também darão origem a um livro?
Também. Vai muito adiantado e já tem título: "da queda do muro de Berlim ao fim da relação transatlântica?". E a resposta é que a relação transatlântica está para durar e está de boa saúde.