Os deputados britânicos decidem esta terça-feira se querem dar mais um passo em direção a eleições antecipadas. A Câmara dos Comuns vai votar, à noite, a primeira fase de um plano para impedir o primeiro-ministro, Boris Johnson, de avançar com um Brexit sem acordo.
Johnson aposta tudo na retirada do Reino Unido da União Europeia (UE) até ao prazo de 31 de outubro, com ou sem acordo. Entra, assim, em rota de colisão com o Parlamento, onde a maioria dos deputados se opõe a uma saída desordenada.
Com menos de 60 dias pela frente até à data consagrada na lei para sair da UE, uma aliança de deputados da oposição – e outros conservadores dispostos a desobedecer ao líder – vai usar o primeiro dia de trabalhos parlamentares após as férias de verão para tentar bloquear uma saída sem acordo.
O grupo forçará uma votação sobre se o Parlamento deve assumir o controlo da ordem de trabalhos do dia seguinte (prerrogativa que costuma pertencer ao Governo) para apresentar e discutir um projeto de lei que forçaria o primeiro-ministro a pedir um adiamento de três meses para o Brexit caso chegasse a 19 de outubro sem ter acordo aprovado ou autorização parlamentar para sair sem acordo.
“Não há quaisquer circunstâncias em que eu peça um adiamento a Bruxelas”
“Na semana em que muitas crianças regressam à escola, os deputados regressam ao Parlamento. As aulas geralmente começam com uma relaxante primeira semana de apresentações, mas os nossos políticos não têm essa sorte”, comenta ao Expresso o arquiteto Matthew Taylor, presidente da plataforma de cidadãos Slough for Europe, que defende a permanência do Reino Unido na UE. “Aconteça o que acontecer, os grupos rivais tentarão amontoar muita coisa num curto espaço de tempo, antes da esperada suspensão do Parlamento.”
Na semana passada, Johnson pediu à rainha Isabel II a suspensão do Parlamento e a monarca acedeu, num gesto meramente formal (legalmente podia opor-se, politicamente seria um precedente grave). Os trabalhos parlamentares estarão encerrados entre a próxima segunda-feira, 9 de setembro, e 14 de outubro, a data fixada para a apresentação no Parlamento do programa de Governo para a próxima legislatura. A rainha lerá, na ocasião, um discurso escrito pelo Executivo.
Na segunda-feira, o primeiro-ministro transformou o regresso dos deputados numa moção de confiança. Embora afirmasse não querer eleições, ficou claro que se o Governo for derrotado, pedirá legislativas antecipadas, mesmo que diga fazê-lo a contragosto. Pode haver já na quarta-feira uma votação parlamentar para aprovar eleições antecipadas (encurtar a legislatura por esta via exige maioria de dois terços). Fonte governamental indica que o ato eleitoral seria realizado a 14 de outubro.
“Os deputados devem votar com o Governo contra o adiamento sem sentido de Corbyn [líder do Partido Trabalhista]”, sentenciou Johnson num discurso emitido pela TV. “Quero que todos saibam que não há quaisquer circunstâncias em que eu peça um adiamento a Bruxelas. Vamos sair a 31 de outubro, sem ‘ses’ nem ‘mas’”.
Johnson “parece estar a fazer tudo para provocar novas eleições”
Apesar de o primeiro-ministro ter dito que não pretendia novas eleições, uma fonte do Executivo citada pela imprensa britânica advertiu os deputados de que essa seria a consequência de votarem desalinhados do Governo esta terça-feira. Johnson caracterizou os rebeldes como “colaboradores” da UE que estão a minar a posição negocial de Londres.
Segundo a mesma fonte, qualquer conservador que vote contra o Governo será expulso do partido. Jornais londrinos referem cerca de 20 conservadores dispostos a votar de forma desalinhada – entre eles, os antigos ministros das Finanças, Philip Hammond, e da Justiça, David Gauke. A ameaça de expulsão (com consequente impossibilidade de concorrerem pelo partido a eleições futuras) tem impacto limitado, já que vários membros deste grupo rebelde tinham anunciado previamente o desejo de abandonar o Parlamento.
“Fala-se muito em eleições iminentes e há armadilhas em que os deputados que defendem a permanência na UE podem cair. Por exemplo, se o ato eleitoral acontecer imediatamente depois de o Reino Unido deixar a UE sem acordo, mas antes de quaisquer efeitos serem sentidos, Johnson poderá beneficiar e o impacto só atingirá as pessoas nos meses seguintes”, alerta Matthew Taylor. “Mas alguns sugerem que Johnson avaliou mal o sentimento da população e jogou o seu trunfo demasiado cedo. A suspensão do Parlamento era a opção nuclear, mas o primeiro-ministro recorreu a ela logo nos primeiros dois meses”, recorda.
Para realizar eleições, o Governo precisará do apoio de dois terços dos deputados numa Câmara dos Comuns com 650 assentos. Johnson tem a maioria de apenas um assento e alguns suspeitam que foi sempre estratégia sua forçar eleições antecipadas. “O primeiro-ministro parece estar a fazer tudo o que pode para provocar novas eleições, embora diga que é a última coisa que quer”, disse, citada pela agência de notícias Reuters, uma fonte próxima do grupo de deputados conservadores que se opõem a uma saída sem acordo.
Ir a votos já a 14 de outubro teria, para Johnson, a vantagem de o proteger de ataques do Partido do Brexit (de Nigel Farage) caso não cumpra o prometido: retirar o país da UE a 31 de outubro. E poderá apanhar a oposição trabalhista, também ela dividida, menos preparada para uma campanha dura. A confirmar-se a hipótese, é de antever que o primeiro-ministro promova uma disputa do tipo “povo conta Parlamento”.