Internacional

Médicos especialistas em fertilidade utilizaram o seu próprio esperma em centenas de mulheres. Escândalo também chega à Europa

Especialistas consideram que, nos anos 1970 e 1980, muitos médicos utilizaram o seu próprio esperma por acreditarem que as mulheres tinham mais hipóteses de engravidar se a amostra fosse recente, e também porque nem sempre tinham amostras disponíveis no momento em que as pessoas se dirigiam aos seus consultórios

IVAN COURONNE/Getty

Quando se reformou, em 2009, Donald Cline, um especialista em fertilidade em Indianapolis, tinha inserido o seu próprio esperma em mais de 30 mulheres que procuraram os seus serviços para engravidar. Jan Karbaat, médico numa clínica perto de Roterdão, na Holanda, tinha 56 filhos quando morreu, em abril de 2017, também por ter depositado o seu próprio ADN nas mulheres que se dirigiam ao seu consultório.

São apenas dois exemplos de um escândalo que galga fronteiras e do qual uma extensa reportagem do “New York Times” dá conta esta quinta-feira.

O artigo começa com uma mulher de 32 anos, Eve Wiley, que aos 16 anos descobriu ser fruto de uma inseminação artificial. Um teste de ADN depois e já sabia quem era o seu pai: Kim McMorries, o médico que ajudou a mãe a engravidar, em 1987, que na altura disse à mãe de Eve que o dador era da Califórnia. Recentemente, este médico escreveu-lhe explicando que tinha misturado o seu esperma para aumentar as possibilidades de fertilização. Antes de conhecidas as vantagens da criopreservação, pensava-se que quanto mais fresca a amostra, mais saudáveis as células e mais provável a gravidez.

Com a explosão da indústria dos testes de ADN “ao domicílio”, entre 2017 e 2018 dezenas de milhares de norte-americanos pagaram para analisar as suas raízes genéticas. Só que além de ficarem a saber se tinham antepassados aztecas ou africanos, muitos ficaram também a saber quem são os seus pais biológicos, deixando assim a descoberto esta prática, mais comum nos anos 1970 e 1980, mantida por alguns médicos especialistas em fertilidade, de engravidarem pacientes com o seu próprio esperma.

Uma das mais reconhecidas especialistas no tema, Jody Madeira, professora de Direito na Universidade do Indiana, está a seguir mais de 20 casos nos Estados Unidos, que ocorreram em vários estados, mas também tem testemunhos de Inglaterra, Alemanha, África do Sul e Holanda. Alguns estados, o Texas por exemplo, já têm leis que tratam juridicamente este tipo de comportamento como se de um abuso sexual se tratasse.

Em maio, também o Indiana passou uma lei que torna a utilização intencional de esperma “errado ou adulterado” um crime e permite a quem se considerar lesado levar os médicos a tribunal.

Permanece o mistério de entender por que razão estes médicos pensaram que seria boa ideia utilizar o seu próprio esperma em vez de uma amostra do banco de dadores. Madeira disse ao “New York Times” que a maioria dos médicos pode ter simplesmente pensado que “era o melhor para o negócio”, já que nem sempre tinham esperma de outros dadores acessível. Outros podem ter tido motivações mais perniciosas: “Penso que pode haver razões que têm que ver com a sensação de poder: narcisismo, perturbações psicológicas ou sentirem-se simplesmente atraídos pelas suas pacientes”.