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Tunísia após duplo atentado terrorista: “apelo à unidade contra ameaça islâmica” ou “ataque ao islamismo político”?

As leituras contrastantes deverão ser feitas pelos dois partidos que formam o Governo do país: o secularista Nidaa Tounes e o Movimento Ennahda, de islamistas moderados. “Após as próximas eleições, a Tunísia pode tornar-se o único país árabe liderado por um partido moderado sunita”, conjetura ao Expresso um especialista em política no mundo árabe

ZOUBEIR SOUISSI/Reuters

O duplo atentado terrorista desta quinta-feira em Tunes será aproveitado pelos “secularistas enfraquecidos” para fazerem “um apelo à unidade contra a ameaça islâmica” e será interpretado pelos “islamistas moderados” como “um ataque orquestrado para virar a opinião pública contra o islamismo político e limitar as suas hipóteses nas próximas eleições”. É esta a convicção do especialista em política do mundo árabe Lukasz Fyderek, que fala ao Expresso a partir da Universidade Jaguelónica, na cidade polaca de Cracóvia, onde trabalha como professor assistente.

Entretanto reivindicado pelo Daesh, o autoproclamado Estado Islâmico, o duplo atentado na capital da Tunísia provocou um morto e oito feridos, segundo o Ministério do Interior do país. O primeiro bombista fez-se explodir junto a uma patrulha policial na rua Charles de Gaulle, no centro de Tunes. Poucos minutos depois, um outro bombista suicida fez deflagrar o engenho explosivo que transportava no momento em que um veículo da polícia saía da sede do departamento antiterrorista de El Gorjani.

Lukasz Fyderek prefere analisar os ataques “à luz da política tunisina” e não num contexto regional, marcado pela deposição recente do Presidente argelino e pela crise militar na Líbia. “A escolha dos alvos traz à memória o ataque de novembro de 2015 contra a guarda presidencial. Foi o Estado da Tunísia que esteve sob ataque e não a população em geral”, salienta. Nos últimos anos, cerca de três mil jiadistas tunisinos juntaram-se ao Daesh e a outros grupos islamistas radicais na Síria, no Iraque e na Líbia, recorda. “A polícia e o Exército tunisinos têm sido eficientes a combater células terroristas e a prender jiadistas que regressam ao país. É, por isso, possível especular-se que os ataques foram planeados como retaliação ou como medida dissuasora”, conjetura o académico.

“Saúde precária do Presidente acrescenta incerteza em ano de extrema importância”

Os dois ataques aconteceram no pico da temporada turística e a poucos meses das eleições legislativas de outubro e das presidenciais de novembro. “Este é um ano de extrema importância do ponto de vista político. O atual Governo de ‘união nacional’ de Youssef Chahed foi formado graças ao envolvimento pessoal do nonagenário Presidente, cuja saúde precária acrescenta uma dose de incerteza à situação”, avalia Lukasz Fyderek. Pouco tempo depois do duplo atentado, a presidência tunisina anunciou que Béji Caïd Essebsi, de 92 anos, fora novamente hospitalizado na sequência de uma “grave crise de saúde”.

O Executivo é formado pelas duas maiores forças políticas na Tunísia, o partido secularista Nidaa Tounes e o Movimento Ennahda, de islamistas moderados, contextualiza o professor polaco. “Ao longo dos últimos anos, o Nidaa Tounes tem sido enfraquecido por divisões internas e lutas pelo poder, algumas envolvendo Hafedh Essebsi, filho do Presidente. Pelo contrário, o Ennahda é um partido bem organizado, com uma plataforma política inequívoca, uma liderança forte e apoio popular”, caracteriza.

“A Tunísia ainda está em processo de transformação democrática”

As autoridades tunisinas têm combatido grupos militantes que operam em áreas remotas, perto da fronteira com a Argélia, desde a sublevação popular que levou à deposição do líder autocrático Ben Ali, em 2011, e inspirou outras Primaveras Árabes nos países vizinhos. O último atentado ocorrera em outubro do ano passado, quando uma mulher se fez explodir no centro de Tunes, ferindo 15 pessoas. A explosão veio interromper um longo período de calma que se seguiu à série de ataques de 2015, que provocaram dezenas de mortos e levaram à imposição do estado de emergência e ao reforço da segurança.

“Oito anos depois da revolução pacífica, a Tunísia ainda está em processo de transformação democrática. O apoio à democracia continua elevado na sociedade, mas o país enfrenta problemas económicos e ameaças terroristas”, descreve Lukasz Fyderek. E arrisca uma previsão: “Após as próximas eleições, a Tunísia pode tornar-se o único país árabe liderado por um partido moderado sunita, o Ennahda. Essa perspetiva é vista como uma ameaça não apenas para os secularistas tunisinos mas, em primeiro lugar, por vários governos árabes onde o autoritarismo é legitimado por narrativas anti-islâmicas.”

Após a deposição de Ben Ali, Essebsi assumiu a liderança do período de transição como primeiro-ministro, tendo sido eleito Presidente em 2014. Em junho deste ano, anunciou que não concorreria a um segundo mandato nas eleições de novembro, apesar dos apelos do Nidaa Tounes, partido que fundou em 2012 e que ainda não avançou com o nome de um candidato à sua sucessão.