Theresa May vai estar reunida de emergência com o seu conselho de segurança nacional esta quarta-feira para discutir respostas ao incidente que está a abalar o Reino Unido e o mundo há mais de uma semana, depois de o ex-espião russo Sergei Skripal e a sua filha terem sido alvos de uma tentativa de assassinato com recurso a uma arma química desenvolvida pela antiga União Soviética.
No início da semana, a primeira-ministra britânica delcarou que a Rússia de Vladimir Putin está "muito provavelmente" por trás do incidente em Salisbury, no sul de Inglaterra, exigindo ao país que respondesse formalmente a estas suspeitas até à meia-noite de terça para quarta-feira.
Com o prazo expirado e sem respostas concretas do outro lado, o governo britânico está agora a preparar uma série de medidas retaliatórias, entre elas pedidos de sanções contra Moscovo no Conselho de Segurança da ONU e investigações aprofundadas a todo o dinheiro russo que circula no Reino Unido – isto já depois de a ministra britânica do Interior, Amber Rudd, ter anunciado que o inquérito ao caso Skripal vai ser alargado a uma série de mortes recentes no Reino Unido que, segundo alegadas provas recolhidas pelo BuzzFeed, poderão ser casos de homicídio envolvendo a Rússia de Vladimir Putin.
Enquanto May se empenha para chamar a si o máximo de apoios internacionais, desde a União Europeia à NATO, passando pelas próprias Nações Unidas, para castigar Moscovo diplomaticamente, o Presidente do país continua a desmentir categoricamente estas acusações, isto apesar de um cientista russo ter já garantido que "só a Rússia" pode estar por trás do ataque em Salisbury.
"O novichok foi inventado e estudado e experimentado e muitas toneladas dele foram produzidas apenas na Rússia, ninguém mais no mundo sabia", defendeu ontem à Reuters Vil Mirzayanov, o cientista que ajudou a desenvolver este agente químico durante a Guerra Fria antes de fugir para os Estados Unidos da América.
O novichok é uma arma química dez vezes mais poderosa que outro agente nervoso conhecido como VX e, de acordo com o dissidente, a antiga URSS produziu toneladas dessa toxina, algo que nunca foi assumido pelos russos. Também segundo Mirzayanov, centenas de pessoas expostas ao novichok no ataque de 4 de março em Salisbury poderão vir a sofrer consequências dessa exposição no longo prazo.
"Não há cura", declarou a partir da sua casa em entrevista ao canal britânico Sky News. "Há antídotos mas serão inválidos para toda uma vida. É muito mau porque mesmo as mais pequenas doses [de novichok] são muito eficazes e provavelmente haverá consequências ao longo dos próximos anos."
Em resposta a isto, o gabinete britânico de saúde pública insistiu que das 38 pessoas levadas para o hospital na sequência do incidente, 34 tiveram alta e que os riscos são reduzidos. "Isto passa uma semana depois. As pessoas não estão a apresentar sintomas, não estamos a assistir a sintomas", acrescentou Neil Basu, vice-comissário da Polícia Metropolitana.
Neste contexto, foi entretanto noticiada a misteriosa morte de outro rival de Putin, Nikolai Glushkov, russo de 68 anos que estava a viver exilado em Inglaterra desde 2004. A família encontrou o corpo de Glushkov já sem vida no seu apartamento em Londres na segunda-feira à noite, oito dias depois da tentativa de assassinato de Skripal. Para já, a Polícia Metropolitana diz não haver provas de uma ligação entre os dois casos.
Implicações diplomáticas
Com ou sem ligações diretas, o caso Skripal já está a ter profundos impactos na diplomacia internacional, a começar pelo despedimento do secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, pelo Presidente dos EUA, Donald Trump.
Há rumores de que Trump decidiu afastar Tillerson não apenas pela relação difícil que mantinham desde que a administração tomou posse há mais de um ano mas também porque o chefe da diplomacia decidiu alinhar-se com o Reino Unido contra o Presidente nas condenações à Rússia.
Na terça-feira, horas depois de ter sabido do seu próprio despedimento pelo Twitter, Tillerson escolheu usar a sua conferência de imprensa do adeus para deixar avisos sobre "os comportamentos e ações preocupantes" da Rússia, horas antes de Trump ter finalmente declarado o seu apoio total a May.
A garantia de que os EUA estão "com o Reino Unido até ao fim" foi dada pelo Presidente à chefe do governo britânico num telefonema ao final de terça-feira, no qual, segundo Downing Street, Trump concordou que "o governo russo deve fornecer explicações inequívocas sobre como é que este agente nervoso acabou por ser usado".
Neste momento, May já conta com forte apoio de grandes parceiros europeus bem como da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ). O pacote de medidas retaliatórias que está a contemplar, e que deverá ser aprovado esta tarde pelo parlamento britânico, surge depois de Maria Zakharova, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, ter referido um discurso recente de Putin sobre o seu novo arsenal de armas nucleares para avisar Londres de que não deve tentar assustar Moscovo.
Com o prazo desta madrugada prestes a expirar, a Rússia recusou-se a fornecer respostas enquanto não tiver acesso a amostras do novichok alegadamente usado no ataque, sublinhando que o ultimato de May viola os protocolos internacionais, que permitem que uma nação leve dez dias a responder a acusações desta natureza.
O embaixador da Rússia na OPAQ disse, por sua vez, que as acusações "infundadas" do Reino Unido estão a alimentar a histeria mundial. "Exigimos que abandonem a linguagem dos ultimatos e das ameaças e que regressem ao campo legal da convenção sobre armas químicas, que nos permite resolver este tipo de situações", sublinhou Alexander Shulgin.
Já o porta-voz da embaixada russa em Londres respondeu à crescente especulação de que os britânicos poderão lançar um ciberataque contra estruturas estatais da Rússia como resposta à tentativa de homicídio dos Skripal. "Os comunicados de uma série de deputados, de 'fontes de Whitehall' e de 'especialistas' sobre uma possível 'ofensiva' com 'ciber-capacidades' são muito preocupantes. Não só a Rússia está a ser acusada sem provas e de forma provocadora pelo incidente de Salisbury como aparentemente estão a ser desenvolvidos planos no Reino Unido para atacar a Rússia com ciberarmas."
Na capital russa, o chefe da diplomacia convocou ontem a embaixadora britânica, Laurie Bristow, para a avisar pessoalmente contra "quaisquer ações das autoridades britânicas que sejam abertamente provocatórias". "Quaisquer ameaças de sanções contra a Rússia não ficarão sem resposta", avisou o ministro Sergei Lavrov.
A isto, a porta-voz do Ministério acrescentou avisos de uma resposta "adequada" caso se confirmem os rumores de que May vai pedir à entidade reguladora para a comunicação social (Ofcom) que pondere encerrar o Russia Today (RT), um canal televisivo russo com sede em Londres. "Não haverá um único órgão de comunicação social britânico a trabalhar no nosso país se fecharem o RT", prometeu Zakharova a partir de Moscovo.