Turismo, ambiente, igualdade de género e direitos humanos, segurança, sistema financeiro e fiscalidade, inovação ou media. São apenas exemplos de áreas onde a sustentabilidade terá um papel essencial nos próximos anos. Falamos de sustentabilidade sob o prisma que lhe dá corpo, e que assenta, linhas gerais, na tríade económica, social e ambiental. Estas foram também as áreas escolhidas para, através de um conjunto de especialistas, integrarem o programa da conferência “Pandemia, e depois? A sustentabilidade como resposta”, que celebra os 20 anos do Grupo Bel, e a que o Expresso se associa.
Ao longo do dia, os oradores que aceitaram o convite para identificar desafios e riscos com que o mundo se debate nos tempos mais próximos, procuraram apontar caminhos, ideias e soluções para um futuro “em que ninguém fica para trás”, como referiu Mónica Ferro. A secretária de escritório do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), cuja apresentação se centrou na igualdade de género e nos direitos humanos como sinónimo de desenvolvimento recordou, por exemplo, que a pandemia fez retroceder em 39 anos os avanços conseguidos na igualdade de género e que, em pleno século XXI, 800 mulheres morrem diariamente no mundo de causas preveníveis. A ex-deputada reforça que estes temas não são apenas sociais, uma vez que têm “um valor económico evidente”. E exemplifica: “A violência doméstica causa maior absentismo, menos produtividade e um menor compromisso e motivação”.
Estes temas são, contudo, pequenas gotas num oceano de desafios globais que a todos afetam. “Vivemos um tempo desafiante e de grandes incertezas”, afirma Luís Marques Mendes. O conselheiro de Estado, que participou na conferência através de um vídeo pré-gravado, alertou para um conjunto de riscos políticos, económicos e sociais que levantam desafios importantes para o mundo, a Europa e para Portugal. Da estratégia dos Estados Unidos da América (EUA) que coloca a China como a grande ameaça global, à insegurança gerada pelo reforço do terrorismo no Afeganistão, passando pela crise de liderança que a passagem de testemunho de Angela Merkel pode causar na UE, ou a crise pandémica que, apesar de controlada, não terminou, Marques Mendes recorda o impacto que estes temas terão na vida de todos. “A covid destacou as interconexões entre sectores da nossa vida diária e o meio ambiente em que vivemos”, reforça Maria João Santos, professora na Universidade de Zurique, sublinhando a importância de uma abordagem sustentável em todas as vertentes da sociedade.
O painel de oradores contou ainda com a presença de Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal; Paulo Macedo, presidente da Caixa Geral de Depósitos; Duarte Costa, presidente da ANEPC; Matilde Lavoura, da Universidade de Coimbra; Ivana Ebel, da Universidade de Derby; Bernardo Correia, country manager da Google Portugal; e Domingos Andrade, diretor-geral editorial do Grupo Global Media. A abertura ficou a cargo de Marco Galinha, CEO do Grupo Bel.
Conheça as principais conclusões:
- “O turismo é a resposta para o futuro”, acredita Luís Araújo. Para o Presidente do Turismo de Portugal, a aposta em transformar o país num dos destinos mais sustentáveis do mundo é o caminho a seguir para que o sector cresça e se consolide como pilar económico estratégico nacional. Contudo, diz, “há um enorme trabalho a fazer para reforçar a perceção de turismo sustentável”. O responsável aponta ainda as migrações como uma solução para a falta de recursos humanos.
- Na opinião de Maria João Santos, o sector financeiro está na posição única de incentivar a mudança, no caminho da inovação, com vista a potenciar investimentos sustentáveis e verdadeiramente sistémicos nas sociedades. Para a professora, caberá, contudo, ao privado o papel de redefinir e transformar os negócios atuais.
- “Precisamos de uma agenda para a mudança”, alerta Duarte Costa, o presidente da ANEPC, reforça a ideia de que a mudança de comportamentos é, mais do que os sistemas de prevenção, essencial para evitar os cada vez mais frequentes fenómenos climáticos extremos, fruto das alterações climáticas. O general recorda que, diariamente, a Proteção Civil dá resposta, em média, a 3434 ocorrências, grande parte delas evitáveis.
- “Não era preciso uma crise pandémica para termos desafios fiscais”, diz Matilde Lavouras. Mas, explica, os atuais exigem políticas coordenadas, sustentáveis e resilientes, uma vez que “a política fiscal não pode ser vista de forma isolada”. A professora acredita que políticas fiscais adequadas são fundamentais para o cumprimento dos objetivos de sustentabilidade globais.
- Na opinião de Paulo Macedo, para a sustentabilidade, a competividade é uma condição necessária, mas não indispensável. No entanto, para que o crescimento económico do país possa ser consistente nos próximos anos é preciso garantir a sustentabilidade dos investimentos. O atual cenário que combina as taxas de juros mais baixas de sempre será, para o CEO da CGD, “propício a investimentos mais sustentáveis”.
- No mundo dos media há hoje “uma plataformização perigosa dos conteúdos, o que resulta numa menor autonomia dos meios de comunicação”, afirma Ivana Ebel. E os dados são claros: metade das pessoas não se recordam de quem escreveu uma notícia, mas lembram-se de qual foi a rede social onde a leram. É, por isso, necessária saber como chegar à diversidade de públicos atuais. “Perceber a audiência é o ponto de partida porque os públicos não são homogéneos, nem mesmo dentro da mesma faixa etária”, marca.
- “Há sempre um sapato para cada utilizador”. A frase é de Nuno Vargas e ilustra aquilo a que chama “O Fator Cinderela”. Aplicada ao mundo dos media, a metáfora ilustra a dificuldade que existe atualmente em reter a atenção dos utilizadores. “É preciso ouvir para conquistar novos clientes”, diz o professor. O grande desafio dos media é, na sua opinião, ser capaz de vender a marcar em diferentes plataformas e formatos. E recomenda: “Para manter as redações sustentáveis é necessário combinar a experiência editorial tradicional com a capacidade de criar produtos viáveis que se adaptem ao seu público”.
- Já Domingos Andrade, e apesar do que apelida de “cenário de miséria dos media”, acredita que há indicadores que apontam caminhos para que os media tradicionais possam adaptar-se às necessidades dos novos utilizadores, mais exigentes. Adaptação é a palavra-chave, afirma, citando um estudo do Observatório da Comunicação que revela que os modelos de negócio que melhor resistiram à pandemia foram os que fizeram uma transição digital para satisfazer as necessidades dos utilizadores.