Os dados são claros: entre 2020 e 2021, mais de 59% dos novos casos de infeção por VIH foram detetados de forma tardia. As consequências desta realidade espelham-se na diminuição da qualidade de vida dos doentes, mas também nos custos adicionais para a saúde pública. “O vírus, depois da infeção, vai-se replicando no organismo. Quanto mais tempo demorarmos a encontrar a infeção, maior é o estrago que o vírus pode fazer”, apontou Daniel Simões durante a conferência “Novos desafios do VIH: qualidade de vida”, organizada esta terça-feira pelo Expresso com apoio da ViiV Healthcare.
O responsável de informação estratégica da Coalition Plus, organização internacional que junta associações de doentes de todo o mundo, defende que “há trabalho a fazer” no acesso “precoce” ao diagnóstico. “Na Europa continua a diagnosticar-se bastante tarde”, acrescenta. A falta de conhecimento que existe na população é um dos obstáculos a ultrapassar, acreditam também Amílcar Soares e Catarina Esteves.
A enfermeira da área VIH do Hospital de Cascais refere ainda um outro desafio, que está diretamente relacionado com a falta de informação. “Em 40 anos de infeção VIH, evoluímos brutalmente em termos de acesso a tratamento, de terapêutica antirretroviral e de aumento de sobrevida. Mas o estigma não passou”, lamenta.
Amílcar Soares, presidente da associação Positivo, concorda e recorda a sua experiência enquanto seropositivo. Diagnosticado há cerca de 30 anos, perdeu o emprego quando decidiu falar publicamente da infeção, mas nem por isso se arrepende de “ter dado a cara”. “Muita gente vinha ter comigo [depois da emissão da entrevista televisiva] e diziam-me que pensavam que eram os únicos até me terem ouvido falar sobre isto”, diz.
Por tudo isto, os especialistas defendem que só é possível falar em qualidade de vida e na diminuição da transmissão do vírus quando o estigma for eliminado. Para isso pedem que o tema VIH/SIDA regresse ao debate público, mas também que sejam promovidas ações de sensibilização nacionais e dirigidas a alguns grupos específicos, como os profissionais de saúde.
Conheça, abaixo, as principais conclusões do debate.
Condições sociais podem dificultar adesão terapêutica
- A par do estigma, que Daniel Simões diz ainda existir entre os profissionais de saúde, os peritos lembram a importância de apoiar quem vive com a infeção para evitar o abandono do tratamento. O acompanhamento psicológico e de aconselhamento técnico oferecido pelas organizações de base comunitária é fundamental, mas, sublinham, é preciso assegurar apoio social. “Se a vida não lhes está a correr bem e não conseguem dar resposta às coisas mais básicas do dia a dia, a ideia pode ser desistir do tratamento”, refere Amílcar Soares.
- O desafio de aumentar os diagnósticos precoces pode ser endereçado, afirma Catarina Esteves, através da oferta generalizada de testes gratuitos. “Os estudos mostram que quando o teste é oferecido às pessoas, a maior parte não diz que não”, justifica.
- Hoje vista como uma doença crónica, a infeção por VIH permite que seja “possível envelhecer com qualidade” e viver “muitos anos”, aponta Daniel Simões. Os efeitos secundários da medicação sentidos com os primeiros cocktails de comprimidos de outros tempos já não são significativos, mas é essencial que o estado serológico positivo seja conhecido o mais cedo possível para evitar danos adicionais ao sistema imunitário.
- A fórmula “indetetável igual a intransmissível”, frequentemente referida na comunidade médica, é uma das mensagens que os oradores desta conferência consideram necessário divulgar junto da população. Sem carga viral detetável, devido à terapêutica antirretroviral, “não há transmissão para outros” nem “o peso de poder fazer mal a outra pessoa”.
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