Geração E

Joe Biden: o indulto na sala tornou-se no elefante

Boa sorte a quem vier defender os impostos e a redistribuição na América: o presidente democrata que propôs taxar os mais ricos libertou o filho de nove acusações por evasão fiscal

O ainda presidente Joe Biden é frequentemente acusado de, durante o seu mandato, ter desperdiçado a oportunidade de deixar uma marca. Parece-me muito injusto. Na verdade, Biden fez história: foi o primeiro Presidente dos Estados Unidos da América a conceder um perdão ao seu próprio filho.

Joe Biden, em campanha, garantiu repetidamente que não concederia um indulto a Hunter. Agora, ao cair do pano, fê-lo de forma "total e incondicional", disse "espero que compreendam" e enfiou-se num avião para uma histórica visita oficial a Angola. Talvez tenha querido fazer um esforço diplomático de aproximação a esse país, uma vez que em Angola até se leva a mal que uma pessoa tenha oportunidade de praticar o nepotismo e não o faça.

Há quem diga que entende perfeitamente a posição de Joe Biden: “qualquer pai faria o mesmo”. É compreensível que as pessoas tenham empatia por quem sente a necessidade de proteger o seu filho. A questão é que, desde 1789, a América teve só 46 presidentes. Desde a mesma data, estima-se que 45 mil milhões de homens tenham sido pais. Parece-me óbvio que o privilégio de Joe Biden não é acessível a "qualquer pai". Um cidadão normal não se pode substituir aos tribunais para defender a descendência. Este pai tem um bocadinho mais de responsabilidade.

Este indulto de Biden a Hunter fere, sem dúvida, o seu mandato, mas não só. Sabota, talvez irreversivelmente, o futuro das políticas que advogou. Boa sorte a quem vier defender os impostos e a redistribuição na América: o presidente democrata que propôs taxar os mais ricos libertou o filho de nove acusações por evasão fiscal.

Em fim de mandato e aos 82 anos, Biden não tinha nada a perder. O mesmo não se pode dizer do Partido Democrata, que arruína toda a legitimidade para denunciar o facto de Trump instrumentalizar o poder a favor dos seus interesses pessoais. Biden pretendia ser um herói democrata, é agora um símbolo dos republicanos. Queria ser o adulto na sala, tornou-se no elefante. Joe Biden traiu quem, em 2020, o elegeu pelo simples facto de ser mais sério do que a alternativa. No fundo, cometeu indultério.