Geração E

Afinal, quantas direitas radicais existem na Europa?

As vicissitudes de cada país, o estado de maturação dos diferentes partidos e as forças sociais inerentes aos mesmos, desdobram as direitas numa metamorfose de direitas securitárias, direitas radicais, direitas conservadoras, direitas cristãs, que têm muito pouco em comum a não ser o ódio pela “cultura woke”

Os líderes mais proeminentes da denominada extrema-direita reuniram-se em Madrid este domingo num congresso repleto de público para preparar as eleições europeias. No “Europa Viva 2024” falaram Santiago Abascal, do Vox, o vizinho André Ventura, Marine Le Pen, Giorgia Meloni, Órban e Javier Milei.

A crème de la crème da direita radical na Europa e no Mundo, uns em pessoa e outros recorrendo à participação digital, celebrando o crescimento esperado da sua cruzada nesta nova contenda eleitoral.

Eram muitas as vozes aguerridas: Atacaram Pedro Sanchéz (abrindo inclusive um conflito diplomático entre a Argentina e Espanha), vaiaram António Costa a pedido de André Ventura, reclamaram para si a luta contra a ideologia de género, o controlo das fronteiras, o orgulho nacionalista e a preservação do modelo de família tradicional cristão.

Estes foram os chavões mais entoados e que obtiveram a concordância de todos os presentes. No entanto, não são mais do que cânticos de euforia e, de facto, esses cânticos que elevavam estes pilares ideológicos a programa político não são mais que isso, chavões.

No final, quem manteve a perseverança de assistir às quase quatro horas de comício, percebeu que todos os líderes ali presentes são da mesma escola da retórica assertiva, mas estão muito distantes em conteúdo. Não há uma direita unida contra o comunismo como gostam de pregar.

As vicissitudes de cada país, o estado de maturação dos diferentes partidos e as forças sociais inerentes aos mesmos, desdobram as direitas numa metamorfose de direitas securitárias, direitas radicais, direitas conservadoras, direitas cristãs, que têm muito pouco em comum a não ser o ódio pela “cultura woke”, alegadamente imposta pelo socialismo que degenera as instituições europeias. Tudo conceitos abrangentes e com pouca matéria prática. Tudo importado do discurso de guerra cultural americano, mas a chegar com 50 anos de atraso.

Este desfile contou com os líderes partidários a exaltar as suas conquistas dentro de portas, uns como governo outros como oposição, puxando das temáticas que lhes eram mais queridas, que por muito que tentem forçar, não são comuns a todos eles. Por momentos, tornou-se confrangedor perceber a incongruência das participações, principalmente quando o convidado que se seguia desmentia (sem nunca admitir que o fazia) o orador anterior.

Dava a ideia de que estávamos num loop daqueles momentos característicos dos debates quando um dos participantes alega que “o problema não é esse, senhor doutor” e procede a expor o seu argumento, conduzindo a conversa para uma área que lhe apraz mais. Este domingo no “Europa Viva 2024” assistimos a uma sucessão sem fim desses momentos, de forma omissa, e que demonstra a incongruência destes partidos, que supostamente concordam em tudo, mesmo quando não encontram paralelo na sua proposta política.

E não... não é pelos programas do Chega, do Vox ou dos Fratelli d’Italia não serem ecléticos e variados, aliás são acusados há muito de terem programas que pecam por falta de profundidade. Essa pouca profundidade, que facilita que todos os partidos “concordem” em tudo, é compensada pela tónica conservadora e o tom assertivo que é transversal a todos estes grupos partidários. Faz parecer que estão próximos uns dos outros, mesmo não estando.

No domingo alcançou-se uma proeza, ficou espelhado o falhanço dos ideais de uma só direita radical a caminho das europeias. Como se costuma dizer no futebol, quando se tenta adivinhar o inevitável — são onze contra onze, o jogo tem 90 minutos e no fim ganha a Alemanha. Neste congresso, todos expuseram projetos políticos diferentes e Santiago Abascal conseguiu concordar com todos eles. Foram quatro horas e no fim ganhou o anfitrião Vox. Até porque é impossível perder quando concordamos com tudo o que nos oferecem.

Não há aqui medidas concretas que sejam pilares homogéneos de uma direita de esforços concertados. O que há é um conjunto de líderes políticos unidos pelo conservadorismo e pouco mais. Uma direita unida pelo populismo. São os que mais falam das lutas culturais, reduzindo-lhes a importância, mas fazem-no de forma hipócrita, porque sabem que é aí que reside a intenção de voto do seu público.

Não se falou de apoios às classes trabalhadoras, e os mais pobres não vão ficar subitamente mais ricos se expulsarmos os imigrantes. Não se falou de medidas macro ao nível da zona euro, que possam combater a disparidade entre uma Europa de primeira e uma Europa de segunda, e os mais pobres não vão ficar subitamente mais ricos se expulsarmos os imigrantes. Não se discutiram intervenções para a guerra na Ucrânia ou para o massacre na Palestina, e os mais pobres não vão deixar de morrer se expulsarmos os imigrantes.

Pelo contrário, perante uma plateia marcada por bandeiras de Israel que balançavam ao sabor dos discursos, clamaram pelo regresso de Trump, o seu líder espiritual. Até já Fukuyama cedeu e fez o mea culpa, ao afirmar que se enganou ao prever o fim da história com a ascensão do modelo hegemónico americano pós-guerra fria, mas a mensagem não chegou a Madrid. Os líderes aí reunidos continuaram saudosistas de um passado que não tem espaço numa União Europeia superior esteticamente. Superior pela diversidade de crenças, ideologias e modelos políticos democráticos. Superior pela liberdade de movimento e pela tolerância.

Para terminar, no meio de tantos líderes da direita securitária, confesso que senti falta da representação de Erdogan. É uma peça crucial no controlo das fronteiras externas da União Europeia e na contenção dos fluxos migratórios. Dada a nacionalidade de Erdogan, acredito que André Ventura esteja a par do motivo óbvio para que o líder turco não se tenha feito representar. Bem sabemos o que André Ventura pensa do povo turco. Imagino como reagiria se soubesse que os espanhóis, depois da sua demonstração de “portunhol” no congresso, agora dizem que os portugueses têm muito pouco talento para falar outros idiomas.

É apenas putativo e nada justo, porque se trata de generalizar um traço de um individuo e aplicá-lo a toda uma nacionalidade. Não deixa de ser o exercício da liberdade de expressão, mas é preconceituoso e falso, porque todos sabemos como há portugueses com muita desenvoltura no castelhano.