Um palco, quatro cadeiras e quatro atores são suficientes para fazer rir, durante uma hora e meia, a plateia do Teatro Turim, na freguesia de Benfica, em Lisboa.
Hospedados num hotel de charme, uma cantora lírica em final de carreira (Margarida Moreira), um engenheiro de obras públicas e privadas (António Camelier), um príncipe italiano (Francisco Beatriz) e o fiel recepcionista do alojamento (Ricardo Barbosa), tornam-se os principais suspeitos de um crime que chocou o país e rapidamente se tornou mediático - o assassinato misterioso do duque de Ferragudo.
Escrita pelo encenador João Ascenso e produzida pela Associação Cultural - Meia Palavra Basta, a peça de teatro “Não Fui Eu!” é, não só uma comédia policial. mas também uma crítica a uma sociedade que não parece levar nada a sério. Desde a equipa de policías (pouco) profissionais que investigam o crime aos apresentadores e comentadores, que num programa de entretenimento matinal, tentam adivinhar quem é o verdadeiro assassino com base em “bitaites”.
“Pode estar a acontecer um crime hediondo mas ao mesmo tempo está a ser comentado no programa da manhã. A peça no fundo é uma tentativa de nos rimos do que são estas situações e do que acontece nos dias de hoje."
Os quatro atores interpretam 12 personagens (e meia) que “em dia bom podem chegar às 18”, revela António Camelier, referindo-se à personagem ”Mestre Guru". Uma peça que exige alguma logística mas principalmente ”muito trabalho, muita dedicação e disponibilidade física e mental para arriscar".
"Acho que no início foi assustador. É um espetáculo com muitas mudanças tanto de figurinos como de personagens, entradas e saídas de palco. Mas o que era terror no início agora já fazemos com uma “perninha às costas”, confessa o ator Ricardo Barbosa.
As obras de renovação do Teatro Turim atrasaram a estreia da peça, que começou a ser preparada em fevereiro de 2023, mas estreou apenas em março do ano seguinte. “Quase que parece uma preparação à cinema, de Hollywood, a preparar com um ano de antecedência [risos]”, diz António. Mas a espera parece ter valido a pena pelo feedback positivo que têm recebido do público - e nem sempre é preciso ter casa cheia para fazer um bom espetáculo.
“Muitas vezes temos dias em que estão menos pessoas e por isso pensamos que a energia [do público] não vai ser tão boa, mas no final acaba por ser o contrário. Todos os dias somos surpreendidos, felizmente pela positiva”. Para os atores, a adesão que a peça tem tido “revela a qualidade do projeto” e acaba por ser uma “lufada de ar fresco" ao verem que "as pessoas ainda vêm ao Teatro e querem apoiar a cultura", reforça António.
Ser ator e fazer teatro na era digital não preocupa Francisco Beatriz. Acredita que o teatro em Portugal vive um dos seus melhores momentos: "Todos os números indicam que o público do teatro tem aumentado em Portugal. Quase todos os teatros em Lisboa estão sempre cheios, portanto, há de haver alguma necessidade que as pessoas não estão a encontrar nos telemóveis e que este mundo fechado em casa não está a satisfazer.”
Ao Expresso, os três atores destacam o carácter efémero do teatro enquanto fator que o distingue de outras áreas como a televisão ou o cinema. “O teatro tem uma magia. Podes estar assistir a uma peça de teatro em que o que estás a ver hoje, amanhã pode ser totalmente diferente, com uma energia diferente e um público diferente”, diz António. O teatro representa assim uma arte em que a reação instantânea do público é o combustível que faz mover os próprios atores e o desenrolar da peça.
“A relação aqui é feita a dois. Não existe teatro se não houver público. É um dar e receber. Ali em cima [palco] dependemos do que o público nos está a dar".
Ainda sem data prevista para a estreia, os atores da associação Meia Palavra Basta dizem já estar a preparar um próximo projeto para “depois do verão”, no Teatro Turim. Para além do teatro, António Camelier, Francisco Beatriz e Ricardo Barbosa têm outros projetos futuros na área do cinema e da televisão.
No entanto, num país em que "os artistas não têm nem sequer 1% de influência" (como afirma uma das personagens da peça), é difícil para os atores fazerem uma previsão do seu futuro profissional. António fala da importância de se ter um “plano B fora da representação”, uma profissão em que considera ser necessário ter uma grande capacidade de resiliência e persistência.
“Quando o problema é estrutural, numa sociedade que não vê a cultura como algo importante para o desenvolvimento de um país, nós enquanto atores temos que “nos saber virar”, reforça. "A meritocracia nesta profissão não é um argumento única e exclusivamente válido para teres trabalho.”
Depois da passagem pelo Teatro Turim que termina a 31 de março, o próximo passo da associação Meia Palavra Basta - fundada por Francisco Beatriz, Margarida Moreira e Ricardo Barbosa - é levar a peça para outros palcos do país.“A magia do teatro também é esta. A peça pode acontecer em vários sítios diferentes e este espetáculo foi feito e pensado para não ficar só aqui [no teatro Turim]", conta Ricardo.
Artigo de Mariana Jerónimo, editado por Pedro Miguel Coelho