Entrámos na silly season, os termómetros ultrapassam os 30 graus. Os portugueses, por causa da inflação, perderam uns quilinhos e alcançaram um invejável tónus para exibir no paredão. Amavelmente, o PS decidiu recompensar este esforço com um geladinho que deve ser comido com a testa: a versão baunilha do que aconteceu na TAP. A generosidade não fica por aí. Juntamente com o sorvete, o partido do Governo ofereceu-nos um eficaz tira-nódoas, para que, neste verão, não ficasse nada por branquear.
Estive a passar os olhos pela primeira versão do relatório da CPI à TAP, elaborada pela deputada Ana Paula Bernardo. Devo dizer, é um daqueles raros casos em que o filme é melhor do que o livro. As conclusões são preliminares, mas não excitam ninguém. Por falar em procriação, a montanha, aparentemente, nem sequer pariu um rato. Lendo o relatório, a montanha entrou de facto em trabalho de parto, contudo principiaram as obras na maternidade do Santa Maria. Fala-se da hipótese do relatório ser enviado para o Ministério Público, mas devia ser endereçado à Polícia Municipal, uma vez que é um claro caso de "não há nada para ver aqui! É circular, cidadão". O documento tem 180 páginas e podia ter apenas uma, com as frases "o que lá vai, lá vai"; "águas passadas não movem moinhos" e “foi chato”.
Mais do que um relatório que não aleija, estamos na presença de um relatório que alija. Responsabilidades, claro. O Governo não interferiu na empresa, a gestora francesa é muito má e a prestação de Pedro Nuno Santos é imaculada ao ponto de ser sensato que este altere o seu nome para Santo Nuno Pedro. Enfim, quem diria que um relatório sobre trapalhadas do Governo elaborado por uma deputada do partido do Governo seria clemente com o Governo? Se Ana Paula Bernardo tivesse sido contundente, até lhe ficava mal, como a um cônjuge que fala horrores da esposa em público. É que os deputados do PS e o Governo coabitam em condições análogas às do casamento. Neste caso, em união de factos.
Mais transparência, melhor comunicação, mais articulação. O relatório faz reivindicações muito suaves ao Executivo, o que é inusitado, já que Ana Paula Bernardo tem um percurso como sindicalista. Por outro lado, era da UGT, pelo que a maciez é coerente. Esta semana, António Costa, quando confrontado com as exigências salariais dos médicos, afirmou ter outras prioridades, na qualidade de "presidente do Sindicato dos Portugueses". São declarações bastante atrevidas, porém - enterrada a questão da TAP - o primeiro-ministro tem o seu posto de trabalho absolutamente garantido. Em parte, graças à aguerrida defesa dos seus direitos laborais levada a cabo por Ana Paula Bernardo, a recém-empossada presidente do Sindicato dos Antónios Costas.
Os deputados da CPI à TAP estão a passar por algo por que já passei na escola, em trabalhos de grupo. Estudaram as matérias durante meses, colocaram questões, tiraram apontamentos, fizeram os TPC, esclareceram dúvidas e deitaram-se de madrugada para deixar tudo pronto. Chega o fim do período e, à frente do professor, a pessoa responsável por apresentar o trabalho não se lembra de nada. Estou a brincar, nunca passei por isso. Era eu o calão. Mas os deputados da CPI são nerds e devem estar arreliados.
O relatório rejeita que a utilização do Whatsapp permita concluir que o processo Alexandra Reis foi conduzido de forma informal. Se a utilização de Whatsapp não é informal, o que é que é? Talvez a utilização do Whatsapp só possa ser considerada informal quando os representantes da tutela estejam a trocar mensagens de boxers na cama. Por falar em roupa suja, o episódio do computador de Frederico Pinheiro pura e simplesmente não consta do documento. Este relatório perde-se em descrições pormenorizadas e contextos históricos que não interessam a ninguém, deixando de fora a parte escandalosa. É uma espécie de resumo d' Os Maias que se foca no capítulo do Ramalhete, olvidando o detalhe de haver irmãos que se comem.
O computador de Frederico Pinheiro foi obliterado do relatório por uma máquina com muito mais capacidade de processamento: o aparelho do largo do Rato. As vagas sugestões, as platitudes que não comprometem ninguém e um significativo alheamento da realidade levam-nos a crer que o relatório da CPI à TAP não foi escrito pelo ChatGPT, mas pelo ChatGPS. Não é bem um robot. É intelligentsia artificial. O pior de tudo isto é que, enquanto o Partido Socialista é um supercomputador, os portugueses são disquetes: estamos parados no tempo há 20 anos, encravamos e, sobretudo, temos falta de memória.