A um ano das eleições europeias, o Evento Europeu da Juventude (EYE2023), em Estrasburgo, convidou mais de 10 mil jovens de várias nacionalidades a conhecerem o interior do Parlamento Europeu e a trocarem experiências com a União Europeia como ponto comum. Entre estes jovens, estavam cerca de uma centena de portugueses, a maioria já ligados a projetos europeus ou a áreas de estudo próximas das instituições europeias. “É como se fossemos um país muito grande dividido em países mais pequeninos, é muito giro ver essa união”, partilhou com o Expresso Leonor Jacob, de 26 anos, durante o primeiro dia do evento bianual que se dividiu pela passada sexta-feira e sábado, dias 9 e 10 de junho.
Ao contrário da maioria dos portugueses, estes jovens fazem parte do pequeno grupo de eleitores que conta votar nas eleições europeias de 2024 - que, ano após ano, repetem uma das mais altas taxas de abstenção. Durante o EYE2023, estes jovens portugueses deixaram pedidos e conselhos aos candidatos a eurodeputados que deverão ser conhecidos nos próximos meses. A mensagem mais repetida é para que o foco se mantenha em assuntos relacionados com a UE e não em polémicas nacionais como a “gestão pública da TAP”. Além disso, os jovens pedem que se repense temas como o “salário mínimo europeu” ou a forma como o país “acolhe migrantes”.
Mais União Europeia, menos assuntos nacionais
Apesar de reconhecerem a importância dos assuntos do dia-a-dia da política nacional, a maioria destes jovens eleitores não querem que as campanhas para as eleições europeias de 2024 sejam apenas uma continuação do debate político atual. “Existe a ideia de que as eleições europeias, a nível político, são uma espécie de “mid-terms” onde se testa a popularidade dos partidos para as [eleições] legislativas. Podemos interpretar assim, mas depois não existe um debate sério sobre a UE e como é que a podemos pressionar para fazer as coisas que Portugal precisa”, partilha com o Expresso Luís Marques, de 26 anos, presidente da Federação Nacional de Estudantes de Estudos Europeus.
Também Leonor Jacob repete a necessidade de os candidatos darem centralidade aos temas europeus e às diretivas europeias que têm “efeitos diretos” em Portugal. “Quero ver discutidas as eleições europeias e não a TAP ou outros assuntos nacionais que importam, mas que já são discutidos 365 dias por ano”, pediu a jovem natural de Almada que participou no projeto Próxima Geração que funciona como "acelerador de políticos”. Uma das queixas de Leonor Jacob, que identifica como uma das possíveis causas para os elevados níveis de abstenção, é a falta de explicações e relevância dadas aos eurodeputados e ao seu trabalho no Parlamento Europeu. E deixa uma sugestão para o futuro: “Gostava que existissem dias dedicados à UE e ao impacto dos membros do Parlamento Europeu em Portugal”.
Do “acolhimento de migrantes” ao “salário mínimo europeu”
Nos últimos anos, há alguns temas que têm ressoado de forma especialmente forte entre os mais jovens como as alterações climáticas ou os direitos das minorias LGBT+. Contudo, não são apenas estes os temas que os jovens politicamente despertos querem ver saltar para o topo das agendas políticas dos futuros eurodeputados portugueses. Com uma realidade internacional que soma emergências sociais, são cada vez mais as situações onde as pessoas são obrigadas a sair do seu país - da invasão da Ucrânia pela Rússia ao conflito armado no Sudão. Assim, cresce o número de refugiados e também as preocupações destes jovens com as políticas de acolhimento. “Gostava de ver ser discutido [nas eleições europeias] o tema da migração, assim como formas de tornar Portugal mais atrativo para migrantes”, revelou Cláudia Coelho, de 27 anos. O sentimento a favor da ajuda humanitária de Portugal é partilhado com outros jovens. “Portugal é um país de migrantes, a UE também. Temos de os [migrantes] acolher em qualquer circunstância”, defende Luís Marques.
Depois, há quem olhe para estes temas de forma mais abrangente e que peça uma reflexão e debate sobre os “direitos humanos” como um todo. “Gostava que voltássemos a pensar nos direitos humanos onde estão incluídos temas como migração, acesso à educação ou à saúde. Na UE damos esses direitos por garantidos o que nos impede, muitas vezes, de pensar medidas mais eficazes e objetivas”, considerou Andreia Oliveira, de 27 anos, que esteve no EYE2023 com uma atividade sobre comunicação de ciência, o Science Communications Network, selecionada pelo Parlamento Europeu.
Sem grande surpresa, outro dos assuntos que os jovens pedem que seja priorizado nas próximas eleições europeias é o das questões salariais - Portugal é o nono país com o salário mínimo mais baixo, entre os 21 Estados-membros da UE com salário mínimo fixado, ficando atrás de países como Espanha ou Eslovénia. "As questões salariais para mim são muito importantes. Ainda ontem [passada sexta-feira] estive num supermercado em Estrasburgo e os preços não diferem muito dos de Portugal, mas o salário mínimo português ronda os 800 euros enquanto aqui ultrapassa os mil", notou Bárbara Ferreira, de 25 anos, que participou com EYE2023 com a comunidade Unidos que faz parte dos vários grupos de jovens que estiveram com Roberta Metsola durante a passagem por Portugal, esta sexta-feira. Para a jovem lisboeta é preciso pensar soluções que permitam "regular" e "equilibrar" a situação financeira do país. É neste contexto que Luís Marques pediu para que se relançasse o debate sobre o "salário mínimo europeu". "Podemos concordar ou não, mas deve voltar a haver esse debate".
Abstenção combate-se com "literacia", "comunicação" e “proximidade”
Em Portugal, a abstenção é um problema presente na maioria das eleições. Contudo, são as europeias que costumam sair ainda mais penalizadas - em 2019, a abstenção bateu novos recordes com 68,6%. Pertencendo à minoria interessada nas dinâmicas europeias, estes jovens não demoram tempo a identificar algumas das causas que continuam a afastar os portugueses das urnas. "Esta resistência não é intencional. Há um desconhecimento porque, estruturalmente, a informação não chega às pessoas", começou Andreia Oliveira. E acrescentou: "Até ao 12º ano nunca falei em eleições, só na faculdade já no meu nicho. É preciso introduzir estas questões na educação, discutir ideologias políticas ou o que são as [eleições] europeias”. No entanto, a portuense não quer colocar "todos os ovos na mesma galinha" e atribuiu responsabilidades também aos "agentes locais" na divulgação das políticas europeias. "Nas vésperas das eleições europeias, um presidente da Câmara ou da Junta deve dar informações sobre elas. Pode não ser um trabalho que sirva a sua campanha, mas serve a comunidade porque aquilo que é aprovado na UE também influencia o orçamento das Câmaras".
Outra das causas apontadas por estes jovens para a abstenção expressiva nestas eleições está na falta de "comunicação" e a uma cobertura mediática "reduzida" e concentrada apenas nas vésperas das campanhas políticas dos candidatos a eurodeputados. "Isto [eleições europeias] não é falado nem é dada a devida atenção nos media tradicionais. E tenho pena porque a maioria das pessoas não fica a par da percentagem de diretivas europeias que são aplicadas no nosso país e o impacto que têm nas nossas políticas", disse Leonor Jacob. Esta crítica é partilhada por Andreia Oliveira: "Há um fosso entre os problemas locais e a comunicação das eleições europeias, parece demasiado distante quando não o é. Idealmente, [a UE] serve qualquer localidade".
Do lado dos políticos, estes jovens também pedem por mudanças de comportamento e por uma maior "proximidade" aos eleitores. "Aqui [no EYE2023] os jovens sentem que são ouvidos. Isso não acontece com os políticos. É preciso abrir os canais de comunicação e começar a ouvir organizações da sociedade civil e os jovens", defendeu Bruno Fonseca, de 31 anos, colega de trabalho de Andreia Oliveira no projeto de comunicação de ciência.