Geração E

O futuro do jornalismo digital passava pelo BuzzFeed e pela Vice, mas afinal falhou. Que outros caminhos se abrem agora para o futuro?

Que nem Ícaros jornalísticos, empresas como a Vice News, BuzzFeed News ou Vox Media, ancoradas no enorme mercado dos Estados Unidos, voaram demasiado perto do sol, crescendo depressa e esquecendo-se dos valores e estratégias que permitiram a sua inicial escalada vertiginosa. Nos primeiros meses de 2023, a Vice declarou falência e a BuzzFeed teve de fechar portas da sua divisão de notícias. Com estes fracassos, o futuro do jornalismo independente e alternativo tornou-se mais incerto. Contudo, sugerem os investigadores ouvidos pelo Expresso, há ainda muitos “focos” por explorar

A Vice News declarou falência em maio de 2023, apenas dois anos depois de ter sido avaliada em 5.3 mil milhões de euros
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Se havia dúvidas de que o jornalismo independente enfrenta graves dificuldades, os primeiros meses de 2023 vieram confirmá-lo. Em janeiro, a Vox Media despediu cerca de 7% dos seus trabalhadores. Em abril, a BuzzFeed News fechou portas e despediu cerca de 60 pessoas. E em maio, a Vice News declarou falência.

Nem sempre foi assim. Ainda em 2017, a Vice News foi avaliada em 5700 milhões de dólares (5300 milhões de euros). E pela redação do BuzzFeed passaram alguns dos melhores jornalistas dos Estados Unidos, incluindo um prémio Pulitzer, Óscar do jornalismo, conquistado em 2021 pela cobertura da repressão do Governo chinês contra a minoria muçulmana uigure.

A questão coloca-se: o que terá corrido mal? Antes disso, é importante tentar perceber o que levou ao interesse inicial pelo tipo de projeto jornalístico exemplificado pela Vice News ou a Vox, particularmente entre o público mais jovem.

Segundo os investigadores ouvidos pelo Expresso, e apesar das diferenças significativas, duas razões destacam-se face a todas as outras: um modelo de negócios assente nas redes sociais e o foco primordial nos consumidores de notícias.

Primeiro, todas estas empresas conseguiram explorar ao máximo, pelo menos de início, o crescimento das redes sociais enquanto ferramenta de marketing e disseminação de conteúdo para ganhar audiências e encantar os defensores de um jornalismo digital e mais independente.

Depois, como nota Dora Santos Silva, professora da Universidade Nova de Lisboa e investigadora do Instituto de Comunicação da NOVA (ICNOVA), estes projetos protagonizaram uma “mudança de paradigma” no jornalismo. Em vez de priorizar os interesses financeiros e dos seus anunciantes, começaram a colocar “o foco nos leitores e no que os públicos queriam”.

Shane Smith (esquerda), um dos fundadores da Vice News, a ser entrevistado num talk-show norte-americano, em 2017
NBC

Daí surgiu um tipo de conteúdo que não era abordado pelos meios de comunicação tradicionais, embora dividido em correntes. A Vice, que nasceu nos anos 90 no Canadá, apostou num conteúdo irreverente e estética antissistema, além de formatos pouco utilizados até então, como as redes sociais ou o YouTube.

O Buzzfeed preferiu combinar jornalismo de investigação e artigos de natureza mais leve, desenhados especialmente para serem partilhados na internet. Já a Vox aperfeiçoou o conceito de explicador noticioso, procurando sintetizar os temas mais quentes da política norte-americana e internacional para um público que não consumia notícias com regularidade.

Independentemente da sua vertente, a “irreverência” e os formatos inovadores, aliados a uma “cultura de startup”, ajudaram definitivamente a “captar um público mais jovem” que “procurava abordagens diferentes do jornalismo tradicional”, aponta Miguel Crespo, jornalista e investigador do CIES (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia) do ISCTE.

O que correu mal?

O principal problema de empresas como a Vice News ou o Buzzfeed resulta de uma das suas principais vantagens: as redes sociais. Mais especificamente, a dependência delas para a difusão e promoção do seu conteúdo e para o seu financiamento, sobretudo através da publicidade.

Ao contrário dos anunciantes tradicionais, as plataformas de redes sociais ficam com uma percentagem muito elevada das receitas de publicidade, deixando algumas startups com menor margem de manobra. O clima regulatório na internet é mais imprevisível. “Quando as plataformas alteram alguma coisa, no sentido de privilegiar conteúdo nativo ou vídeos em vez de ligações para notícias”, por exemplo, quem está mais dependente destas para o seu crescimento pode sentir dificuldades, descreve Miguel Crespo.

Nesse sentido, faltou preparação e visão estratégica que tivesse em conta a volatilidade de uma lógica de funcionamento alicerçada nas redes sociais. Dora Santos Silva afirma que são muitos os fatores em jogo: é preciso balançar fontes de rendimento com “inovação editorial”, “posicionamento no mercado”, formação aos jornalistas ou a própria “identidade” da marca, e não apenas “reagir” às mudanças regulatórias ou ao que está na moda.

A ausência de “visão integrada” é sublinhada pelo investigador do ISCTE, ao sugerir que estas empresas “cresceram mais do que seria possível com um foco em algo que não controlavam, as plataformas das redes sociais”, e um público cada vez mais fragmentado. Como Ícaro, terão voado demasiado perto do sol: criaram “estruturas demasiado grandes” para o que era o seu fator de diferenciação e as suas finanças e perderam identidade pelo caminho, acrescentou a professora da Universidade Nova de Lisboa.

Porém, ambos os investigadores mostram-se esperançosos no que respeita ao futuro do jornalismo independente e alternativo. Mesmo em Portugal, onde destacam projetos como a “Mensagem de Lisboa" ou o "Sul Informação", de âmbito mais local, ou o “Fumaça”, com a tónica no jornalismo de investigação.

Para Crespo, o segredo está na criação de um produto que vá além do que já é publicado em “todo o lado”, em “focar os recursos disponíveis em conteúdos que sejam mais diferenciados, mais únicos e que as pessoas estejam dispostas a pagar”, conclui. Funcionará?

Texto de José Gonçalves Neves, editado por Pedro Cordeiro