Geração E

Europeias 2024: (quase) ninguém quer saber destas eleições, mas devia — e nós explicamos porquê

A relativização das Eleições Europeias é uma prática corrente por todo o continente, com Bruxelas a ser tratada ora como banco, ora como bicho papão, e não como parte decisiva e vital do sistema político europeu

Em 1946, num discurso para jovens estudantes em Zurique, Winston Churchill proclamava que o remédio para a paz e segurança dos povos europeus seria a criação de uma estrutura onde a família europeia pudesse coexistir em liberdade e segurança, uma espécie de “Estados Unidos da Europa”.

Apesar de colocar o país que dirigia fora desta família, consequência da sua crença na supremacia do já decadente império britânico, Churchill tinha colocado em palavras a ideia que um dia daria origem à União Europeia: paz através da interdependência, união através da diversidade.

Com a criação da CEE, em 1957, foi dado o primeiro passo na direção de um futuro onde as nações europeias enfrentariam juntas os desafios do futuro, e onde a guerra entre elas não passaria de uma memória distante e incompreensível. Ora, passados 67 anos da criação da sua versão inicial, a União Europeia vai novamente a votos em 2024, com eleições para o seu Parlamento (PE), o único dos seus órgãos diretamente eleito pelos povos europeus. O histórico, e esta não é uma realidade unicamente portuguesa, é de um ato eleitoral pouco participado. Mas há mesmo muitos motivos para não deixar a decisão nas mãos dos outros.

Porque é que as eleições europeias são tão pouco participadas?

As eleições europeias sempre confundiram em igual medida os cidadãos e os políticos dos Estados-Membros. A relativização destas eleições é uma prática corrente por todo o continente, com Bruxelas a ser tratada ora como banco, ora como bicho papão, e não como a parte decisiva e vital do sistema político europeu. No que toca aos partidos, os riscos da eleição do Parlamento Europeu sempre foram maiores do que as recompensas. Afinal, não está em jogo o poder local, os equilíbrios parlamentares, ou sequer a distribuição de poder dentro dos partidos. Por outro lado, a enorme abstenção dificulta a utilização destas eleições como barómetros da governação, embora sirva como mecanismo de descompressão eleitoral.

Assim, não convém aos partidos dar demasiada importância a uma eleição que quando corre bem não serve como reforço do poder nacional, e que quando corre mal pode servir para desestabilizar os assuntos internos. No que toca aos cidadãos, existe ainda um profundo desconhecimento sobre a UE e o seu funcionamento, o que causa uma desconexão política entre a representação europeia e os seus constituintes locais. Afinal, e ao contrário das Juntas, das Câmaras, do Governo ou até da Assembleia da República, ninguém identifica com proximidade o PE.

Em Portugal, a maior parte da retórica em volta da UE tende a centrar-se no dinheiro que nos dá, como no caso do famigerado PRR, tendo no passado girado em volta da austeridade imposta pela CE e pelo BCE. Nenhuma destas versões inspira confiança ou proximidade, e para a maior parte dos cidadãos a UE significa pouco mais do que uma placa numa ponte, um apoio para um projeto ou uma bandeira numa repartição pública.

Mas Portugal não é um dos países que mais confia na União Europeia?

De acordo com o Eurobarómetro de 2022, Portugal é o país com maior confiança na União Europeia: 69%. No entanto, o amor pela UE parece crescer de acordo com o dinheiro e as benesses que nos traz. Muitos jovens aceitam a UE sem questionar, principalmente aqueles que usufruíram das viagens sem barreiras, mas também eles não parecem envolver-se ativamente na sua construção.

Como em muitas dimensões da vida democrática, muitos são aqueles que colhem os frutos que outros plantaram, sem considerarem necessária a sua participação num sistema que definhará consistentemente sem o envolvimento de todos. Este distanciamento é, na realidade, perigosíssimo, particularmente nos dias que correm. A importância da UE nas nossas vidas é tamanha que a apatia perante a atividade dos órgãos europeus é um verdadeiro tiro no pé, especialmente para as gerações mais novas. A participação nas próximas eleições europeias é mais importante do que nunca, e por razões muito mais relevantes do que o nosso vício e dependência de fundos europeus.

O que é que as Europeias decidem que tem algum impacto na minha vida diária?

É importante ter consciência que a quantidade de normas europeias que têm reflexo nas nossas próprias leis internas é assombrosa. Desde a lei do clima até à proteção de dados pessoais, passando pela cooperação entre tribunais, pela proteção dos direitos dos consumidores e dos viajantes e pelo controlo de qualidade dos alimentos que comemos, a presença de diretivas e regulamentos europeus é constante.

A realidade simples é que muitas das leis que aprovamos na Assembleia da República são adaptações obrigatórias de diretivas discutidas em Bruxelas no Parlamento Europeu. Esse mesmo, no qual os atuais deputados foram escolhidos em eleições nas quais apenas 30,73% dos portugueses se dignaram a participar.

É também essencial compreender o nível de integração que está já enraizado. Usamos uma moeda que o nosso Estado não pode emitir ou controlar, somos regulados em matérias comerciais e bancárias por agências espalhadas por todo o continente, usamos os mesmos modelos de matrículas e documentos, temos os mesmos direitos perante os tribunais de qualquer Estado-Membro, podemos usar a mesma identificação para viajar daqui até ao Ártico, e o nosso Orçamento de Estado tem de estar de acordo com diretivas pré-estabelecidas.

Apesar de serem muitas as áreas onde a UE não tem ainda competência, como a saúde, os impostos e a defesa, desafios recentes demonstram a necessidade de cooperação alargada até nestes nichos da soberania nacional. A contínua desilusão dos cidadãos com a política também representa um perigo existencial que apenas pode ser combatido melhorando as vidas das pessoas e dando-lhes esperança no futuro.

Ao não participarmos estamos também a pôr em causa a saúde da democracia?

A história demonstra que a queda dos regimes democráticos é sempre causada pela alienação das populações, que procuram depois refúgio nos braços de radicais que usam essa oportunidade para despir sucessivas camadas de proteções e direitos. A crescente divisão do mundo em blocos, acelerada pela odiosa invasão russa da Ucrânia, demonstra também a dificuldade de países europeus de dimensão reduzida se afirmarem perante as superpotências do presente e do futuro.

Urge, então, votar, conhecer, participar e defender o nosso modo de vida e o sistema de democracia liberal ocidental, imperfeito mas preferível a qualquer outro, quer perante os que tentam usar dinheiro e força para nos vergar, quer perante os extremistas que nos procuram fazer perder a esperança e usar os nossos piores instintos para benefício próprio e da sua sede de poder.

Se a união faz a força, apenas unidos podem os europeus esperar ter um lugar na mesa das negociações globais. E essa união implica cedências e escolhas que são, acima de tudo, políticas e ideológicas.

A que perguntas podemos responder com o nosso voto nas Europeias?

Será a nossa atual União suficientemente democrática e o seu Parlamento suficientemente representativo? Terão os países mais pequenos suficiente voz ou estará o sistema montado para favorecer o eixo franco-germânico? Fará sentido a utilização da mesma moeda sem uma política fiscal comum? Deverá ser desenvolvida uma capacidade militar comum na UE, capaz de enfrentar as ameaças de hoje e amanhã? Será que já sacrificamos demais ou, pelo contrário, não sacrificamos o suficiente?

Tudo isto são questões decisivas para o nosso futuro coletivo, muito para lá da aplicação dos fundos do PRR. Não é prudente tratar o ato eleitoral em que são eleitos os nossos representantes no Parlamento Europeu como uma questão menor, e não é responsável ignorar a relevância das questões europeias por mero conforto ou apatia.

Se precisamos que os cidadãos assumam as suas responsabilidades cívicas europeias, temos de lhes dar razões para isso, empoderando-os e mostrando como o seu compromisso é decisivo. Ainda falta um ano para as próximas eleições europeias, e temos ainda tempo de mobilizar a sociedade portuguesa para participar.

Qual é a Europa que queremos e qual deverá ser aí o papel de Portugal, nos tempos de cólera em que vivemos? Teremos em breve a oportunidade de influenciar um pouco o rumo de todo um continente. Está na altura de a agarrarmos, ousando querer saber.