Expresso 2000

O Expresso só à 2ª (ou mesmo à 3ª de manhã), por Santiago Macias

Santiago Macias

"O arqueólogo Carlos Torres é o Prémio Pessoa deste ano", anunciou, enfático, o locutor da Rádio Renascença naquela manhã de dezembro de 1991. O erro no nome próprio era o menos. Pior foi não se poder comprar o Expresso no dia seguinte. Como tantas vezes acontecia em Mértola, o Expresso só chegou na segunda de manhã. Nesse fim-de-semana houve romaria a Beja, 50 kms a norte, para se comprar o jornal. 

A vila alentejana ganhava um Prémio Pessoa - Cláudio Torres -, mas não "ganhava" jornais. Apesar do estonteante rácio de 1 laureado para 1400 habitantes, o Expresso não chegava. Sejamos justos. Às vezes chegavam os oito ou nove exemplares do costume. Fui muitas vezes o décimo. Fúria e ranger de dentes eram a primeira reação. A segunda fazia-me, por vezes, entrar no carro e rumar a Beja. 

Noutras ocasiões, a paciência dos leitores era posta à prova de forma dura, desumana até. Com requintes de malvadez. O sr. Manuel Dias olhava-me, de ar compungido, e dizia: "Não, sr. Santiago, o Expresso não chegou; agora só na segunda". Segunda a meio da manhã lá se repetia a peregrinação. Por vezes, mesmo nesse dia ouvia um "também não veio hoje, só amanhã". Muitas vezes, já alguns dos cadernos tinham a nova edição fechada na redação e ainda nós andávamos à cata da anterior. 

Mais um Prémio Pessoa

Pouco tempo depois, José Mattoso, professor universitário e também Prémio Pessoa, veio viver para Mértola, o que tornou a relação habitantes por laureado algo semelhante à que existe entre os Prémios Nobel que ensinam em Berkeley. Nem assim as coisas melhoraram.  Por vezes, a chegada do jornal revestia-se de contornos burlescos. Recordo de novo o sr. Manuel Dias: "Não sr. Santiago, não está completo, só vieram a Revista e o Cartaz; o resto deve vir na segunda". Noutros casos era o caderno principal a chegar com dias de atraso. 

Em Mértola, a chegada do jornal completo e em número suficiente, uma coisa rara, era causador de profunda emoção entre os leitores. Anos mais tarde, e de forma tão súbita quão misteriosa, a penúria terminou. O Expresso nunca teve, que eu saiba, algo semelhante ao cartão de passageiro frequente dos aviões. Se tivesse, tê-lo-ia pedido. E dourado.

Santiago Macias

Mértola

  1. A opinião dos leitores
  2. Um apoio na vida pessoal e profissional, por Almor Serra
  3. Velhos problemas muito atuais, por Raul da Silva Pereira
  4. Papel por todos os cantos da casa, por Margarida Cunha
  5. Saudades de outros tempos, por João Bernardo Lopes
  6. Uma pedrada no charco, por João Pinto
  7. O medo de contar verdades incómodas, por António Silva Carvalho
  8. Leitura com música, por José Rodrigues Franco
  9. Três ou quatro semanas de costas voltadas, por José N. Celorico
  10. Em busca do humor, por Maria José Azevedo
  11. 'Conselhos' do Expresso para negócios de família, por José Manuel Bastos