Os meus pais foram para Angola em 1942 e retornaram em agosto de 1975, uns escassos meses antes da independência. (...) Recusavam acreditar que lhes pudesse acontecer o que tinham presenciado anos antes, quando milhares de belgas procuraram em Luanda um ponto de passagem a caminho da Bélgica, fugindo dos conflitos no ex-Congo Belga (na altura Zaire e hoje República Democrática do Congo).
Essa recusa era, para eles e para a esmagadora maioria dos portugueses, uma das formas de afirmação da nossa diferença na relação com África.
Mau grado os primeiros anos terem sido de grandes dificuldades, a partir dos anos 50 as perspetivas económicas familiares foram melhorando significativamente. Foi assim que os meus pais aumentaram o seu património, nomeadamente através da aquisição de três ou quatro imóveis.
A cartilha de Spínola
Poucos meses antes do "25 de abril", vivendo eu em Coimbra, recebo uma carta dos meus pais, a pedir a opinião sobre a venda de um desses imóveis. Já lhes dissera várias vezes que a situação, tal como estava, não tinha futuro. A audiência concedida pelo Papa Paulo VI aos líderes africanos dos principais movimentos de independência era o exemplo do isolamento internacional do nosso país; o peso do chamado Terceiro Mundo crescia todos os anos.
Porém, desta vez, resolvi não me repetir e optei por dar-lhes uma resposta indireta: meti num envelope as duas páginas que o "Expresso" dedicara ao livro do general António de Spínola "Portugal e o Futuro", e remeti-o para Luanda. Talvez assim os meus pais acreditassem que outras soluções podiam estar a caminho, propostas por pessoas ligadas ao regime, e cujos desenvolvimentos eram difíceis de prever.
De todo o modo, a casa ficou por vender.
José Manuel Bastos
Coimbra
http://aeiou.expresso.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ex.stories/635804 A opinião dos leitores- A opinião dos leitores
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- O Expresso só à 2ª (ou mesmo à 3ª de manhã), por Santiago Macias
- Velhos problemas muito atuais, por Raul da Silva Pereira
- Papel por todos os cantos da casa, por Margarida Cunha
- Saudades de outros tempos, por João Bernardo Lopes
- Uma pedrada no charco, por João Pinto
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