Legislativas 2022

Bloco de Esquerda. A noite da hecatombe anunciada

Bloco tem razia na bancada parlamentar e fica longe do terceiro lugar que ambicionava, e que era dele há seis anos. Apenas cinco deputados eleitos, dois em Lisboa, dois no Porto e um em Setúbal. Trambolhão é superior ao de 2011, após o chumbo do PEC IV, que precipitou queda de outro governo PS

De perda em perda. A noite do Bloco de Esquerda começou sob o espectro da preocupação e terminou a confirmar os piores cenários. Não é por isso estranho que tenha sido uma noite curta e silenciosa no quartel-general escolhido pelo partido, o Cineteatro Capitólio, no coração de Lisboa. A exceção foram as palmas aos discursos e aos (poucos) deputados que iam sendo eleitos. E que foram menos 14 do que em 2019. O Bloco fica assim com apenas cinco, dois por Lisboa, outros dois pelo Porto e uma por Setúbal. Passa de terceira a quinta força política, atrás de Chega e Iniciativa Liberal (tem até menos deputados que o PCP, embora com mais votos).

Em votos, em número de deputados, em distritos, o Bloco teve uma derrota em toda a linha. O terceiro lugar que ambicionava, e que disputava com o Chega, ficou a larga distância. Era o objetivo número um. A hipótese de ter peso à esquerda, e forçar o PS a negociar um governo e soluções com o dedo do Bloco, ficou também pelo caminho.

Parecem-me óbvias três coisas: que o PS terá maioria absoluta [Catarina Martins falou antes das 23h], que o Bloco de Esquerda teve um mau resultado e que o Parlamento terá deputados racistas.” O Bloco tentou colocar-se como voto anti-Ventura durante a campanha e nem isso resultou. Mas foi precisamente o Chega quem provocou o momento de maior exaltação, quando Catarina Martins vincou que “cada deputado racista eleito no Parlamento portugues é um deputado racista a mais”. Na sala, palmas e gritos de “não passarão!”.

Não que tenham faltado críticas ao PS, nas também curtas declarações dos dirigentes bloquistas. Primeiro Pedro Filipe Soares, às 20h, quando reagia às projeções, depois Catarina Martins, no final da noite, carregaram na nota que o Bloco trouxe para a campanha eleitoral: o PS forçou a crise política porque queria a maioria absoluta, e a estratégia resultou. A crise foi sempre “artificial”.

Embora reconhecendo o “mau resultado” – “o Bloco assume as suas responsabilidades” -, Catarina Martins disparou em várias direções. E a última foram as sondagens, também na linha do que já tinha feito Filipe Soares. “Devemos perguntar-nos que balanço faremos a partir daqui das sondagens e dos comentários” que bipolarizaram a campanha, na leitura do Bloco. A hipótese de uma maioria à direita “nunca existiu” e, portanto, as sondagens a dar empate técnico ajudaram Costa a chegar à maioria absoluta. “Esse é talvez um balanço que faremos em conjunto: o Bloco de Esquerda e a comunicação social”, pediu Catarina Martins.

Em 2011 BE caiu, agora caiu mais



O tombo é superior ao de 2011, altura em que o Bloco de Esquerda também foi penalizado por ter ajudado a chumbar o PEC IV que levou ao fim de outro Governo PS, liderado por José Sócrates, e à chegada da troika. Nessas eleições, com Francisco Louçã como coordenador, o BE viu a bancada parlamentar reduzida a metade, de 16 para 8 deputados. Teve 288.973 votos, 5,17%. Desta vez, ficou abaixo dos 250 mil, menos de metade do que tinha, o que não chegou para atingir os 5%. É preciso recuar a 2002 para ver um resultado pior – mas aí, o Bloco tinha apenas três anos de vida.

Tal como Francisco Louçã há 11 anos, Catarina Martins repetiu, como fez duas vezes em entrevistas ao Expresso, que o Bloco não toma decisões por “taticismo eleitoral”. Assim, e mesmo “sabendo que corríamos riscos”, o partido mantém que o OE para 2022 tinha de ser chumbado. “O facto de termos um mau resultado eleitoral não significa que passemos a achar que o Orçamento era bom”, justificou.

Não é o único tema em que Catarina Martins repete a resposta: faz o mesmo em relação à continuidade como coordenadora do partido. Esta foi a terceira derrota eleitoral seguida do Bloco, depois das presidenciais de há um ano, com Marisa Matias, e das autárquicas de outubro, em que o partido conseguiu apenas quatro mandatos nas autarquias. “Já tivemos bons e maus resultados”, começou por responder, para depois voltar a vincar que “as decisões cabem aos militantes”. “Tivemos uma Convenção há seis meses e a atual direção cá estará para assumir. Nunca foi por resultados eleitores, ou na sequência de resultados eleitorais, que o Bloco decidiu a sua direção.”

Catarina Martins foi mesmo a única protagonista da noite e é figura consensual no partido. Mas o Bloco volta a ter reunião magna daqui a pouco mais de um ano. Dos principais dirigentes, não se ouviu uma palavra, à exceção da coordenadora e do ex-líder da bancada parlamentar, acima referidos, e de Mariana Mortágua, mas apenas para reagir às projeções da abstenção.

Por agora, o partido agarra-se a outro paralelismo com o tombo de há 11 anos: quatro anos depois, em 2015, o Bloco alcançava o melhor resultado de sempre e começava, com a geringonça, a influenciar a governação. No exterior do Capitólio, aliás, reuniam-se a maior parte dos aderentes presentes na noite eleitoral e, entre cervejas, mesmo antes de a coordenadora falar, já se ouviam frases como “vamos à luta”.

Com estes resultados, o partido perde alguns deputados de peso, com José Manuel Pureza à cabeça, deputado em três legislaturas, líder do grupo parlamentar do Bloco na primeira (2009-2011) e que foi vice-presidente da AR nos últimos dois anos. Moisés Ferreira, número um pelo círculo eleitoral de Aveiro, também sai, bem como Isabel Pires, que o BE deslocou de número cinco em Lisboa para o terceiro lugar no Porto. Bruno Maia, terceiro em Lisboa e grande aposta do partido, e José Gusmão, que também já foi deputado, não entram.

Em Braga, Aveiro, Coimbra, Leiria, Santarém e Faro, o Bloco de Esquerda fica a zeros. Sobram assim cinco figuras no Parlamento, todas do núcleo duro: Catarina Martins, José Soeiro, Mariana Mortágua, Pedro Filipe Soares e Joana Mortágua.