Um parecer jurídico requerido pelo Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNCP) concluiu pela inconstitucionalidade de diversas alterações à nova lei laboral que entra em vigor a 1 de maio. O parecer é assinado pelos juristas Pedro Romano Martinez, professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e presidente do Instituto de Direito do Trabalho (IDT), e Luís Gonçalves da Silva, professor Auxiliar da mesma universidade e vice-presidente do IDT.
Em causa estão as alterações introduzidas às normas que enquadram o recurso ao outsourcing (terceirização de serviços), à possibilidade de renúncia a créditos laborais no momento da cessação de contrato (remissões abdicativas) e o alargamento do direito à atividade sindical, em empresas onde não existam trabalhadores filiados.
As cinco confederações empresariais representadas na Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS) - Indústria, Comércio e Serviços, Agricultura, Turismo e Construção - já tinham sinalizado quer ao Governo, quer ao Presidente da República a evidência de inconstitucionalidades na Lei, pedindo que travassem a sua entrada em vigor, sem sucesso.
“É inconstitucional o novo artigo 338.º-A (proibição do recurso à terceirização de serviços), uma vez que, para além de uma incongruência teleológica com as finalidades constitucionalmente admitidas para o despedimento coletivo (ou extinção do posto de trabalho), colide com preceitos que radicam, em última instância, na dignidade da pessoa humana, concretamente: a) o princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição); b) a liberdade de escolha de profissão (artigo 47.º, n.º 1, da Constituição); c) a liberdade de iniciativa económica (artigo 61.º, n.º 1, da Constituição); d) o direito de propriedade privada (artigo 62.º, n.º 1, da Constituição)”, sinalizam os juristas no parecer divulgado esta quinta-feira.
O travão imposto pelo legislador ao recurso ao outsourcing foi desde sempre contestado pelas empresas. Os patrões chegaram a pedir a Marcelo que vetasse o diploma, alegando que “a serem implementadas, tais alterações ao Código do Trabalho, terão consequências danosas e da maior gravidade na vida das empresas e dos próprios trabalhadores” e que esta, e outras normas aprovadas, não foram discutidas em sede de concertação social. O presidente acabaria por viabilizar a entrada em vigor das alterações, mas com alertas ao Governo onde sinaliza que algumas das normas aprovadas podem ter um “efeito contrário ao pretendido”.
Renúncia de créditos por cessação de contrato também “é inconstitucional”
No parecer emitido, Pedro Romano Martinez e Luís Gonçalves da Silva concluem ainda pela inconstitucionalidade de mais duas normas. A primeira diz respeito ao aditamento introduzido ao artigo 337.º, relativo à remissão abdicativa, que permitia ao trabalhador renunciar dos créditos devidos no momento da cessação de contrato.
“É inconstitucional”, apontam os juristas, sinalizando que o aditamento introduzido, que limita esta possibilidade, viola “o direito de participação na elaboração da legislação do trabalho (artigo 54.º, n.º 5, alínea d) e 56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição)”. Além disso, acrescenta o parecer, corresponde a "uma restrição desproporcional do princípio da autonomia privada (v.g., artigo 26.º da Constituição)”.
É igualmente considerado inconstitucional “o alargamento do direito à atividade sindical na empresa, na qual não existam trabalhadores filiados (artigo 460.º, n.º 2), mais concretamente na remissão para o direito a instalações (artigo 464.º), porquanto comprime desproporcionalmente a liberdade de iniciativa económica (artigo 61.º, n.º 1, da Constituição) e o direito de propriedade privada (artigo 62.º da Constituição)”, notam os juristas.
Os líderes das confederações empresariais já tinham manifestado a sua “profunda desilusão” com a promulgação da Lei pelo Presidente da República.
"Além de uma profunda desilusão com esta decisão e posição do Senhor Presidente da República e após a aprovação pela maioria do Partido Socialista na Assembleia da República desta medidas, o CNCP está seriamente preocupado com os efeitos negativos para a vida das empresas que irão surgir, tanto a curto como a médio prazo, em particular numa altura tão desafiante e vulnerável para as empresas como aquela que enfrentamos", vincou na altura o CNCP, em representação dos empresários.
Depois de Costa e Marcelo, patrões apelam aos deputados
O tema das alterações ao Código do Trabalho, que se arrasta há mais de dois anos, não reuniu consenso entre os parceiros sociais, e também não reúne na sociedade civil. Em resposta à contestação das confederações patronais e aos argumentos de inconstitucionalidade, um grupo de 53 cidadãos - que inclui juristas, sindicalistas, membros de comissões de trabalhadores e investigadores -, escreveu uma carta aberta, entregue ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, onde acusa as confederações de “instrumentalizar indevidamente a concertação social para os seus propósitos e colocá-la em confronto com o poder legislativo”.
Em comunicado, enviado às redações esta quinta-feira, o CNCP recorda que “as conclusões agora obtidas por estes reputados especialistas confirmam o que tinha sido já declarado ao senhor Presidente da República, ao Governo e aos partidos: a nova lei laboral sofre de diversas inconstitucionalidades e não é aceitável a sua aplicação, à luz desse documento máximo da nossa legislação, que é a Constituição portuguesa”.
Com a entrada em vigor da nova lei agendada para 1 de Maio, Dia do Trabalhador, as confederações empresariais reafirmam que continuarão a contestar a aplicação do diploma e que não desistirão de prosseguir com as ações necessárias “no sentido de que seja reposta a legalidade com a sua retirada”.
No mesmo comunicado, o CNCP anuncia que agora que foi conhecido o parecer, irá agora iniciar uma ronda de audiências com os diferentes grupos parlamentares, para fiscalização sucessiva do diploma, “visando a retirada das alterações consideradas inconstitucionais da legislação”.