Foi no final de julho de 2023 que se começou a ouvir falar da entrada de um fundo de investimento estrangeiro no capital da Global Media. Uma notícia do Jornal Económico dava conta de que o World Opportunity Fund ia ter uma participação na Páginas Civilizadas, empresa que detém 50,25% da Global Media (onde estão importantes meios de comunicação social como o Jornal de Notícias (JN), o Diário de Notícias (DN), a TSF e O Jogo). Trata-se de um fundo registado no paraíso fiscal das Bahamas, gerido pela sociedade Union Capital Group, com sede na Suíça.
Viria para a Global com o alegado objetivo de desenvolver um projeto de crescimento no sector dos media alicerçado nos países de língua portuguesa. Foi o empresário Marco Galinha, detentor do grupo BEL, que vendeu a maioria do capital a este fundo, mantendo-se como acionista minoritário e presidente do conselho de administração.
Mas o que inicialmente era um ambicioso projeto de investimento rapidamente se transformou num pesado processo de reestruturação com salários em atraso e a ameaça de despedimento de 150 a 200 trabalhadores de um universo de 530. A venda abortada ao Estado das participações da Páginas Civilizadas e da Global Media na agência de notícias Lusa é apontada como um dos fatores que levaram à surpreendente inversão do discurso.
Pelo meio houve acusações da nova gestão executiva a anteriores administrações com o presidente executivo, José Paulo Fafe, que assumiu a liderança a meio de novembro, a dizer que “raro é o dia em que não somos surpreendidos por factos, negócios ou procedimentos que denotam a forma leviana e pouco transparente como este grupo foi gerido ao longo dos últimos anos".
A partir daí estalou uma guerra de acionistas com ameaças de processos judiciais que paralisou a empresa e agravou ainda mais a sua situação financeira.
Mas o incumprimento da lei da transparência dos media – que obriga à identificação dos detentores dos meios de comunicação social em Portugal – levou também a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) a exigir informação sobre o fundo de investimento e a abrir, a 8 de janeiro, um procedimento administrativo para obter essa informação sob a ameaça de avançar com a suspensão dos direitos patrimoniais e de voto do fundo na Global Media.
A 6 de fevereiro chegou-se a um entendimento com um grupo de quatro investidores que decidiram ficar com alguns dos títulos do grupo, entre os quais o JN, a TSF e O Jogo, que transitarão para uma nova empresa. Os outros meios ficarão na órbita da Global Media, da qual se espera a saída do World Opportunity Fund.
O Expresso elenca os principais momentos desta crise que deverá ao que tudo indica ficar resolvida nos próximos dias.
Julho de 2023
28-7
Jornal Económico revela que o fundo World Opportunity Fund comprou 37% da Páginas Civilizadas, empresa que controla a Global Media.
Agosto de 2023
4-8
Global Media e grupo Bel pretendem vender participação que detêm na Lusa.
15-8
Expresso noticia que a ERC pediu informações sobre novo acionista da Global Media.
Setembro de 2023
6-9
Global Media anuncia a nomeação de José Paulo Fafe, Diogo Agostinho e Filipe Nascimento para a administração. Saem Domingos Andrade e António Saraiva.
7-9
11-9
Global Media diz que mudanças visam criar um "ambicioso projeto de crescimento" do grupo. Trabalhadores da TSF marcam greve para o dia 20 de setembro.
20-9
TSF avança para greve pela primeira vez em 35 anos de história.
21-9
Rosália Amorim é a nova diretora de informação da TSF.
27-9
Conselho de Redação da TSF rejeita proposta da administração para a direção, mesmo assim ela vai avante. Acusa a administração de ingerência. Governo avalia compra das participações da Global e de Marco Galinha na agência Lusa.
30-9
Outubro de 2023
3-10
PS pede à ERC para clarificar quem são os novos donos da Global Media. É anunciado que José Júdice será o novo diretor do DN. José Paulo Fafe diz ao Meios & Publicidade que será feito um reforço da redação e uma reformulação gráfica e de conteúdos.
12-10
Conselho de Redação do DN rejeita direção proposta pela administração, que esta decide também manter. Fundo de investimento sedeado nas Bahamas passa a ter a maioria do capital da Global Media.
31-10
Global Media diz que houve "ligeiro atraso no pagamento de salários" mas está resolvido.
Novembro de 2023
11-11
Conselho de Redação do JN acusa a administração de ingerência em matérias editoriais ao proceder a mudanças nas revistas Evasões e Volta ao Mundo.
15-11
17-11
23-11
Trabalhadores do JN debatem em plenário intenção de despedimento coletivo pela Global Media.
24-11
Redação do JN pede “esclarecimento” à administração sobre despedimento coletivo. "Vim para os media com amor a Portugal", diz Marco Galinha em entrevista à Lusa.
30-11
Jornal de Notícias mantém greve para os dias 6 e 7 de dezembro. Governo anuncia que o Estado já não vai comprar as participações da Global e da Páginas Civilizadas na Lusa porque deixou de existir um “compromisso político alargado”. Comissão Executiva comunica atrasos nos pagamentos de salários, que serão transferidos pelo World Opportunity Fund, e fala em “gravíssima situação financeira”.
Dezembro de 2023
4-12
6-12
Trabalhadores do JN cumprem o primeiro de dois dias de greve. Comissão executiva confirma reestruturação do grupo que passa pela rescisão de entre 150 a 200 pessoas e pelo adiamento do pagamento dos subsídios de Natal.
11-12
12-12
Global Media abre período de rescisões por mútuo acordo com trabalhadores até 61 anos. Ministro da Cultura recebe trabalhadores da Global. Direção da TSF demite-se.
13-12
José Paulo Fafe diz em entrevista ao Eco que a gestão tem encontrado operações estranhas feitas durante a gestão de Marco Galinha. E afasta dúvidas quanto ao fundo que controla a Global.
14-12
Direções do JN e de O Jogo demitem-se e há salários em atraso. Jornalistas do JN ameaçam avançar com ação judicial contra a Global Media.
15-12
Diretor do Dinheiro Vivo demite-se. Trabalhadores da Lusa rejeitam acionista "sobre o qual nada se sabe". Banco Atlântico Europa suspende acesso da Global Media à conta e retém receitas da VASP. Diogo Agostinho sai da administração da Global Media.
16-12
Trabalhadores da Global Media aprovam protesto conjunto para mostrar “enorme descontentamento” com decisão de despedir 150 a 200 pessoas.
18-12
Global Media não afasta novos atrasos no pagamento de salários de dezembro.
19-12
Delegados sindicais dizem aos deputados que não é possível cortar mais.
21-12
ERC diz no Parlamento que está insatisfeita com informação sobre fundo que controla a Global Media e aguarda esclarecimentos.
22-12
Conselho de Redação da TSF acusa administração de "ingerência" por suspensão de programas.
23-12
Global Media acusa Diogo Agostinho de falta de “lealdade”.
28-12
Comissão executiva diz que não há condições para pagar os salários de dezembro nem sabe quando isso será possível. Trabalhadores condenam ameaças de insolvência pela administração. Governo diz que pode ser acionado fundo de garantia salarial. Ministério da Cultura defende que Global Media “deve assegurar o pagamento dos salários”
29-12
Os quatro principais acionistas minoritários (Marco Galinha, Kevin Ho, José Pedro Soeiro e Mendes Ferreira) acusam o WOF de “manifesto incumprimento quanto a obrigações relevantes dos contratos e ameaçam ir para tribunal. Trabalhadores aprovam uma greve de todos os títulos para 10 de janeiro.
30-12
31-12
Conselho de Redação do JN emite um comunicado onde refere que a decisão da administração de suspender todas as prestações de serviços - os ‘recibos verdes’ - a partir de 1 de janeiro é uma “machadada na viabilidade” do jornal. Sindicato dos Jornalistas desafia os acionistas a destituir a comissão executiva do grupo, após trocas de acusações mútuas sobre a atual situação financeira.
Janeiro de 2024
2-1
3-1
Diretores demissionários do JN, TSF, O Jogo e Dinheiro Vivo ouvidos no Parlamento. Referem que declarações da comissão executiva estão a prejudicar o grupo.
4-1
Domingos Andrade é ouvido no Parlamento. Diz que sofreu pressões da administração da Global e implica o administrador Paulo Lima Carvalho e o consultor de comunicação Luís Bernardo. Global Media pagou subsídio de refeição relativo a dezembro, trabalhadores ainda não foram informados sobre salários em atraso
5-1
Sindicato dos Jornalistas pede intervenção da PGR sobre situações na Global Media.
6-1
José Paulo Fafe nega ligação do milionário brasileiro Daniel Dantas ao fundo que controla a Global Media.
8-1
ERC anuncia procedimento administrativo contra o World Opportunity Fund que poderá levar a suspensão dos seus direitos patrimoniais e de voto.
9-1
Audições de Marco Galinha e de José Paulo Fafe no Parlamento: o presidente do conselho de administração da Global Media duvida que a situação do grupo seja tão má quanto é referido pela comissão executiva e diz que está empenhado numa solução. Fafe continua a acusar a anterior gestão liderada por Marco Galinha de ter contribuído para a situação atual e anuncia que os salários de dezembro deverão ser pagos até ao início da semana seguinte. Audição da ministra de Ana Mendes Godinho: a ministra do Trabalho diz que a ACT fez inspeções a cinco empresas da Global e prepara contraordenações.
10-1
Greve de 24 horas no grupo. Sites dos jornais e da rádio sem notícias, edições impressas não vão para as bancas no dia seguinte. Audição do ministro da Cultura: Pedro Adão e Silva recusa medidas específicas para o grupo. Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda, PAN e Livre admitem comissão de inquérito à gestão da Global Media, PS e PSD não se pronunciam.
11-1
Crise na Global Media é debatida no Parlamento com caráter de urgência. Marco Galinha publica um comunicado negando ter aumentado o passivo e confirmando que os acionistas minoritários vão processar o WOF. Expresso noticia que foi também intentada pelo empresário uma ação no tribunal de procedimento cautelar de arresto. Trabalhadores da TSF começaram a receber salários.
12-1
Expresso analisa informação sobre os donos do fundo que comprou a Global Media, referindo que há indícios de que são investidores brasileiros. São conhecidas propostas de compra do grupo. Uma é de um grupo de investidores e empresários portugueses, em especial do norte do país, representados pela empresa Officetotal, de Ponte de Lima, fabricante das bolachas belgas. A outra proposta é da empresa Nobias European Studio, fundada pelo português Ricardo Oliveira e pelo produtor polaco Grzegorz Hajdarowicz. Mais duas baixas na administração da Global Media, saem Victor Menezes e Carlos Beja.
14-1
15-1
Artur Cassiano é nomeado administrador interino da TSF. Jornal Económico diz que já há seis propostas ou manifestações de interesse para a compra da totalidade ou de parte da Global Media.
17-1
Sindicato dos Jornalistas faz queixa na ACT por atrasos no pagamento de salários.
18-1
José Paulo Fafe diz que recebeu informação de que o fundo afinal não vai fazer transferências de dinheiro para pagar salários enquanto não houver uma decisão da ERC e se Marco Galinha não retirar a providência cautelar de arresto. Trabalhadores do 'Jornal de Notícias' e de 'O Jogo' decidem pedir suspensão de contratos de trabalho. Administradores executivos Paulo Lima Carvalho e Filipe Nascimento apresentam a demissão. Presidente da República diz que “é inevitável que haja transparência sobre quem é titular do quê” nos media.
19-1
Acionistas minoritários anunciam convocação de assembleia geral para encontrar solução para o grupo e dizem-se disponíveis para retomar a gestão. Jornal Eco diz que assembleia poderá servir para destituir José Paulo Fafe. Trabalhadores do DN decidem em plenário dar prazo até 31 de janeiro para regularização de salários, findo o qual ameaçam fazer greve por um período indeterminado. José Paulo Fafe recusa demitir-se. ACT multa Global Media por falta de pagamento de salários.
20-1
PGR investiga queixa do sindicato sobre a Global Media.
21-1
PSD diz que o Governo queria comprar as participações na Lusa à pressa e sem esclarecer vários aspetos. Trabalhadores querem ver esclarecidas alegadas transferências de dinheiro para administradores executivos.
22-1
Comissão executiva da Global nega quaisquer transferências de dinheiro. Trabalhadores do Dinheiro Vivo decidem avançar para suspensão de contratos de trabalho. Impasse acionista mantém-se.
23-1
José Paulo Fafe acusa câmara de Lisboa de dever 75 mil euros.
24-1
Encontrada solução para pagamento dos salários, com a antecipação de receitas da VASP. Trabalhadores começam a receber no dia seguinte. Acionistas minoritários convocam assembleia geral para aumento de capital de 5 milhões de euros e destituição da administração.
26-1
30-1
Colaboradores externos começaram a receber pagamentos de novembro.
31-1
Salários de janeiro em atraso. José Paulo Fafe demite-se.
Fevereiro de 2024
2-2
Acionistas minoritários anunciam “princípio de entendimento” com grupo de investidores encabeçados pela Officetotal. World Opportunity Fund vai sair.