O negócio da venda da participação da Global Media na Lusa ao Estado, que deveria ter sido concluído no final de 2023 e que teria dado a necessária liquidez ao grupo para pagar salários, acabaria por cair, e José Paulo Fafe, o presidente do Global Media Group nomeado pelo World Opportunity Fund (WOF), não se coibiu de sugerir alguns responsáveis na audição parlamentar desta terça-feira: uma manchete do Tal & Qual (que irritou a cúpula do PSD), e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que terá fomentado dúvidas em torno do fundo investidor.
Fafe ainda garantiu aos seus críticos: "peço imensa desculpa a quem me quer ver pelas costas. Vão ter de levar comigo até eu decidir".
“Já disse pessoalmente e por mensagem ao senhor Presidente da República que sempre achei muito estranho o excessivo interesse que ele demonstrou pelo negócio da Global Media. Atrevo-me a dizer que o professor Marcelo Rebelo de Sousa foi uma das pessoas que mais contribuíram para fomentar a intriga em redor do negócio, criando e fomentando boatos em torno do fundo, como ele próprio me reconheceu em mensagem”, disse Fafe aos deputados.
O negócio da venda da participação da GM na Lusa ao Estado - que daria ao grupo margem de tesouraria para pagar salários - acabaria por cair por não existir um consenso partidário quanto à venda das participações, alegou o Governo a Fafe.
“O que me surpreendeu porque eu sei que o PSD, numa primeira fase, tinha dado o acordo para o negócio através do senhor Paulo Rangel. Foi-me transmitido isso por um alto responsável do PSD” que identificou como sendo Hugo Soares, secretário-geral dos sociais-democratas.
Fafe disse aos deputados não ter “a mania das teorias da conspiração”. Mas associou o falhanço da venda da participação a uma “capa do Tal & Qual”, jornal de que era administrador, de maio de 2023.
O jornal titulava “Montenegro prepara assalto ao Correio da Manhã”, dando conta que “o líder do PSD congemina, com todo o recato, a tomada da Cofina, o maior grupo português de comunicação social”, com “o apoio do antigo secretário de Estado Sérgio Monteiro e do fundo de investimento Alpac, ligado ao regime extremista do húngaro Viktor Orbán”.
Nessa altura Fafe diz ter recebido “um telefonema do dr. Hugo Soares, iradíssimo, aos berros”. “Comecei a pensar se de facto o volte face do PSD na Agência Lusa não tem alguma coisa a ver com esta capa do Tal & Qual sobre o negócio da Cofina”, alvitrou.
O parceiro Luís Bernardo e os milhões torrados por Proença de Carvalho
Na audição parlamentar desta terça-feira, que começou com duas horas de atraso, Fafe reconheceu também que Luís Bernardo, antigo assessor do primeiro-ministro José Sócrates, foi a primeira pessoa que contactou depois da demonstração de interesse do WOF nos media portugueses.
Luís Bernardo, que diz conhecer desde os anos 1990 e de quem diz ter-se afastado durante o tempo em que era assessor do ex-primeiro-ministro José Sócrates, foi “a primeira pessoa” que desafiou “para entrar no projeto”. Porque, disse, “tem provas dadas na montagem de processos semelhantes na Media Capital” e por ser “um dos responsáveis pelo lançamento da CNN Portugal”.
Fafe apontou a mira à administração anterior à entrada de Marco Galinha, liderada por Daniel Proença de Carvalho, o grande ausente das convocatórias do Parlamento nas suas inquirições sobre a situação atual da GMG. A administração de Proença de Carvalho, segundo Fafe, “torrou” os milhões da venda dos edifícios históricos do DN e do JN, alienados durante o seu consulado.
“Foi na administração do Dr. Proença de Carvalho que foram vendidas as sedes do DN, do JN e sei lá o que mais foi vendido” e “o dinheiro produto dessas vendas não foi investido na reestruturação do fundo nem no pagamento de dívidas. Foi torrado”, disse.
“Quando chegámos cá, descobri uma sala onde estava mais de um milhão de euros em equipamento vídeo no chão. Torraram dinheiro irresponsavelmente (...) Durante o consulado do dr. Proença de Carvalho, onde o CEO ganhava 500 mil euros por ano, aí sim houve uma gestão muito pouco transparente, para não dizer danosa”, acrescentou Fafe.
Sobre a titularidade do WOF, “já ouvi os maiores disparates”, como José Dirceu [antigo lider da Casa Civil da primeira presidência de Lula da Silva] “ou até portugueses como o Eng. José Sócrates”, “um braço direito do presidente Trump, como um tal de Devin Nunes, George Soros e agora Daniel Dantas", um milionário brasileiro. "Ri-me à gargalhada porque não tem ponta por onde se pegue", disse Fafe.
“Não sei quem são os detentores das unidades de participação do fundo nem tenho de saber. Eu sei é com quem falei da sociedade gestora desse fundo”, nomeadamente Clement Ducasse, responsável do WOF, prosseguiu.
Fafe garantiu que “nenhum depositante do fundo tem uma unidade de participação superior a 5%”. O presidente executivo detalhou a estrutura acionista da GM, avançando que o WOF não é o principal acionista do grupo, tendo “indiretamente 26%” através da compra de 51% da empresa Páginas Civilizadas por 7 milhões de euros.
“O maior acionista é o senhor Kevin Ho, que tem cerca de 30%. Marco Galinha deve ter o correspondente a 24%, e o senhor José Pedro Soeiro, que tem 20%”, concretizou.