Os boicotes às marcas ocidentais de produtos alimentares e bebidas nos países muçulmanos estão a afetar as receitas das multinacionais ocidentais e dos seus operadores de franchising, avança o Financial Times esta segunda-feira.
“Este acontecimento não tem precedentes. A duração deste conflito não tem precedentes. A intensidade não tem precedentes", afirmou Amarpal Sandhu, diretor-executivo da Americana Restaurants, que explora marcas como a KFC, a Pizza Hut e a Krispy Kreme no Médio Oriente e no Cazaquistão, numa conferência de resultados na passada quinta-feira, segundo o FT.
A Americana Restaurants, que é propriedade do fundo soberano saudita e do investidor Mohamed Alabbar, sediado no Dubai, declarou na passada terça-feira que os seus lucros do segundo trimestre diminuíram 40% em comparação com o período homólogo, apesar de ter aberto 81 restaurantes no primeiro semestre deste ano.
Luca Zaramella, diretor financeiro da Mondelez, afirmou que os boicotes "continuam a ser um obstáculo", pesando no crescimento das vendas no Médio Oriente em 2% no segundo trimestre. O grupo de beleza L'Oréal afirmou, igualmente, que os boicotes afetaram em 2% o crescimento no primeiro semestre do ano.
No Paquistão, onde se encontra a segunda maior população muçulmana do mundo, a seguir à Indonésia, o governo prometeu, em julho, formar um comité para identificar e boicotar os produtos das empresas que apoiam "direta ou indiretamente" Israel. A medida foi tomada depois de, no mês passado, milhares de ativistas de um partido islâmico terem encerrado uma rua perto da capital, Islamabad, durante uma semana, exigindo que o governo proibisse todos os produtos ligados a Israel. A Coca-Cola İçecek, a engarrafadora da Coca-Cola no Paquistão, informou que os volumes de vendas no país caíram quase um quarto nos primeiros três meses de 2024, o que atribuiu aos "ventos macroeconómicos contrários" sem mencionar as consequências da guerra em Gaza.
No Iraque, no início de junho, dezenas de pessoas atacaram dois restaurantes, incluindo uma filial da KFC em Bagdade, exigindo o boicote a todas as marcas americanas que apoiassem a guerra em Gaza, segundo o canal Al Arabiya. A mesma fonte relata que foram registados apenas danos materiais, mas que as autoridades tiveram de disparar tiros para o ar, para dispersar a multidão, e detiveram pelo menos duas pessoas.
Algumas lojas substituíram as bebidas da Coca-Cola por alternativas locais menos estigmatizadas, mas aquelas que continuam a armazenar produtos da Coca-Cola têm sido alvo de assédio, acrescentou o FT.
Na Malásia, o operador local da Starbucks, Berjaya Food, relatou uma segunda perda trimestral consecutiva em maio devido aos boicotes. Registou uma perda de 36,7 milhões de dólares (cerca de 33,5 milhões de euros ao câmbio atual) no trimestre terminado a 31 de março, enquanto as receitas caíram 48%.
Já na Indonésia, a Starbucks tem afirmado repetidamente que não está, de forma alguma, associada à guerra no Médio Oriente. Na capital Jacarta, muitas lojas Starbucks ostentam cartazes nas portas e nas mesas esclarecendo a posição da empresa sobre o conflito.
Os boicotes surgem numa altura em que as marcas de propriedade ocidental já estavam sob pressão fora do Ocidente. Os conglomerados estão a enfrentar uma concorrência mais forte por parte dos grupos locais e, consequentemente, a perder quota de mercado, explica o FT.