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Vinhos: A Cartuxa não subiu preços e teve o melhor ano de sempre

Adega alentejana vale 10% das exportações de vinhos do Alentejo e já é o produtor europeu que mais vende no Brasil

O enoturismo é um motor de crescimento da adega
NUNO BOTELHO

Na história da Adega da Cartuxa, 2022 é o melhor ano de sempre. E este desempenho foi conseguido sem o peso da inflação: “Não subimos os preços”, garante ao Expresso João Teixeira, o diretor-comercial desta casa que reivindica uma fatia de 10% nas exportações dos vinhos do Alentejo e a conquista recente do título de produtor europeu que mais vende no Brasil.

No fecho das contas, o exercício terminou com vendas de 23,8 milhões de euros, divididas entre Portugal (60%) e o mundo. É um salto de 18% face a 2021 que já tinha sido o melhor ano da adega, com o apoio do lançamento do Pêra Manca (colheita de 2015), e que combina crescimentos de 34% no país e de 13% no exterior.

O diretor-comercial, João Teixeira, entrou na Cartuxa em 2018
NUNO BOTELHO

No Brasil, o maior mercado da empresa lá fora, as vendas também cresceram 18%, para 5 milhões de euros. “A Cartuxa conseguiu estar presente em todos os estados do Brasil, com uma rede de 6 mil clientes, e tornar-se o produtor europeu que mais vende no país, atrás de dois concorrentes do Mercosul, do Chile e da Argentina, que entram sem pagar as taxas alfandegarias dos vinhos nacionais”, sublinha João Teixeira.

Em 2019, a empresa não estava no top dos 5 maiores fornecedores do país. Em 2022, ano em que as vendas de vinhos portugueses no Brasil caíram 3,5% (dados do INE/Viniportugal), “a Adega da Cartuxa cresceu 18%, em contraciclo”, acrescenta.

E a inflação não pesa em todos estes números? “Não. Não subimos preços. Houve alguma pressão nas margens, mas como a maioria dos nossos vinhos são de estágio e os materiais já estavam adquiridos, qualquer aumento teria sido especulativo”, responde o gestor.

Na análise que faz ao desempenho do ano passado, João Teixeira diz refletir “a estratégia definida em 2018”, quando chegou à Fundação Eugénio de Almeida, dona da Adega da Cartuxa, decidido a aproveitar a experiência que trazia do trabalho numa multinacional de grande consumo para “conciliar abordagem e agendas da área comercial e da produção”.

Relação direta com a distribuição

Privilegiou a relação direta com os clientes da moderna distribuição e a garantia da estabilidade de preços dos rótulos da casa. “Percebemos que o consumidor estava a escolher o nosso vinho de entrada de gama em função do preço e que as vendas aumentavam quando havia promoções agressivas na distribuição”, refere.

Por acreditar que “isso não era saudável para a marca”, apostou numa abordagem direta, sem intermediários, inspirada na prática seguida noutros sectores de atividade, procurando garantir “continuidade das vendas ao longo do ano”.

“Tornamo-nos verdadeiramente os donos da marca e da sua gestão e em ano e meio ficou claro que os nossos vinhos passaram a ser procurados pela marca, não em função do preço”, afirma.

Ir além do mercado da saudade

No canal Horeca (hotelaria e restauração), o caminho seguido foi diferente. A Cartuxa mantem o mesmo foco na procura de valor e estabilidade nos preços, mas opta pelo serviço de um distribuidor. “É um canal muito importante, que representa 55% das nossas vendas no país, mas que é impossível trabalhar diretamente, dada a sua imensa capilaridade”, justifica João Teixeira.

Lá fora, a par do Brasil, a adega mantém o foco em mercados importantes da marca sem esquecer “destinos naturais para uma proposta assente na valorização dos vinhos”, como os EUA ou o Reino Unido, a par da Europa, sempre com o objetivo de ir além do mercado da saudade e conquistar consumidores nativos, com poder de compra.

Foi assim que a Cartuxa conseguiu conquistar presença direta em 39 países e chegar a muitos mais de forma indireta: Através do parceiro de Macau, consegue colocar os seus vinhos em vários mercados do sudoeste asiático. Via EUA, chega às Caraíbas, por exemplo.

Bom arranque em 2023

Para 2023, o ano em que a Fundação Eugénio de Almeida comemora o 60º aniversário de uma ação dedicada ao desenvolvimento da região de Évora, “as perspetivas continuam a ser positivas, até porque o arranque foi bom”. João Teixeira admite haver risco de alguma transferência de consumo de vinhos com mais valor acrescentado para gamas de entrada, de preços mais baixo, mas está confiante na força da marca e das exportações.

Para continuar a crescer, depois da fase de estabilidade de preços que ditou a manutenção dos valores de venda dos diferentes rótulos até em 2020, quando a covid contagiou o canal Horeca e uma queda de 16% no volume de negócios da Cartuxa, o momento é de “puxar pelo volume”, em especial nos mercados onde a marca já está presente.

Admite agora, também, “um ajuste nos preços dos vinhos vendidos em caixa de madeira, por ser insustentável continuar a suportar o aumento dos custos associados”.

João Teixeira e o enólogo Pedro Baptista
NUNO BOTELHO

Com mil hectares de vinha em exploração, entre vinhas próprias (600 hectares) e arrendadas (400), em Évora, a Cartuxa engarrafa em média 5,5 milhões de garrafas por ano distribuídas por 7 marcas e mais de 30 referências, onde cabem espumantes, licorosos e vinhos de talha. É um portfólio que abarca, entre outras, a topo de gama Pera Manca, que representa 2,5 milhões de euros na faturação, a EA, para maiores volumes, a Cartuxa, a marca mais antiga da casa, e a Monte de Pinheiros, na entrada de gama. Nos preços, esta oferta reflete-se numa escala alargada, entre os 2,69 euros e os 500 euros.

21 mil visitantes no enoturismo

Nos vinhos, que garantem 95% do rendimento da Fundação, as castas dominantes são o Trincadeira e Aragonês (tintos), Antão Vaz e Roupeiro (brancos). Mas nos 13 mil hectares de terra da fundação também há olival (200 hectares) e outras atividades, da criação de gado à produção de cereais, amêndoa ou cortiça.

Em simultâneo, a empresa está a trabalhar o enoturismo. Em 2019 atraiu 19 mil visitantes à Cartuxa, em 2022 ultrapassou os 21 mil e, tal como o turismo em geral, considera “importantíssimo para a dinamização das exportações assim como das vendas no mercado nacional”.

Quanto ao online, a adega tem uma plataforma que facilita a aproximação ao consumidor e garante o acesso aos seus vinhos em qualquer local, mas para não concorrer com os clientes assumiu um posicionamento de preço superior ao do mercado.

E na Quinta de Valbom, onde tudo começou, já está programada a edição de 2023 do Festival EA Live (14 a 22 de julho), criado para promover a ligação entre a cultura/música e o vinho e por isso mesmo patrocinado por uma marca de vinho e não de cerveja, como é habitual.