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Em Espanha o Governo e a oposição competem com planos para resolver o problema da falta de habitação

O Governo socialista liderado por Pedro Sánchez defende um plano intervencionista no mercado. Já a oposição, prefere um modelo mais liberal. O Banco de Espanha diz que há uma necessidade imediata de 600 mil casas

Andrea Comas/Reuters

O Centro de Investigação Sociológica (CIS), um organismo de sondagens do Estado espanhol, constatou nos seus inquéritos mais recentes que o problema da habitação está no topo da lista das principais preocupações dos cidadãos.

A escassez de oferta e o aumento da procura, a subida constante dos preços de compra e arrendamento, que no último trimestre de 2024 registaram aumentos entre os 9% e os 15%, dependendo da zona, e a concorrência desleal de imóveis dedicados a atividades turísticas compõem um panorama de difícil acesso ao mercado, especialmente para os mais jovens.

O problema tem um significado político: o próprio CIS verificou que a inação das forças políticas neste campo, entre outros, leva os jovens entre os 18 e os 25 anos a direcionar o seu voto para partidos de extrema-direita, como o Vox em Espanha.

Os dois maiores partidos apresentam soluções

Conscientes dessa situação, os dois maiores partidos espanhóis, o Partido Popular (PP, centro-direita) e o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, centro-esquerda), lançaram-se numa corrida desenfreada para dar aos seus eleitores e simpatizantes programas credíveis para reverter a situação. Com menos de vinte e quatro horas de diferença, o governo de coligação socialista e o principal partido da oposição apresentaram projetos ambiciosos que coincidem em vários pontos, embora sejam marcados pela sua própria condição ideológica. O plano dos conservadores é claramente liberal, enquanto o do Executivo é marcadamente intervencionista.

A oposição, liderada por Alberto Núñez Feijóo, chegou a acordo com os 11 presidentes das Comunidades Autónomas onde o PP governa para implementar com efeitos imediatos a “Declaração das Astúrias”, assinada domingo, dia 12, em Oviedo.

Benefícios fiscais para os mais jovens

Este programa inclui descontos de 10% a 4% no Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (o equivalente ao IMT) para jovens com menos de 40 anos que queiram adquirir um imóvel usado. Haverá uma garantia pública de 100% para a subscrição de hipotecas, seguro subsidiado para garantir aos proprietários de casas arrendadas a cobrança regular de rendas, uma modificação da lei “anti-ocupação” para garantir a expulsão em 24 horas de intrusos pela polícia e incentivos fiscais e financeiros para construtores e promotores imobiliários. Os regulamentos regionais serão alterados para reduzir a burocracia e facilitar o progresso dos projetos de construção, com mudanças rápidas na lei dos solos para que seja adaptada às circunstâncias atuais.

O PP pede ao Governo a revogação da atual Lei da Habitação, que o Executivo socialista conseguiu aprovar no Parlamento em março do ano passado. Esta norma jurídica não foi aplicada nas Comunidades Autónomas dirigidas por líderes conservadores, pelo que dificilmente se conseguiu comprovar a sua eficácia. A lei, que pretendia tornar realidade o princípio constitucional de que todos os espanhóis têm direito a uma habitação digna, incluía, entre outras várias iniciativas legais, a limitação dos preços dos arrendamentos em áreas sobre forte pressão do turismo.

Na Catalunha, onde essa norma jurídica foi aplicada, observou-se uma queda de até 5% nos preços do arrendamento nos 140 municípios catalães classificados como zonas mais pressionadas, durante o ano passado. No País Basco e em Navarra, os respetivos governos estão a preparar planos para seguir o exemplo catalão.

O Governo contra-atacou completando o plano que divulgou há mais de um mês e cuja medida principal foi a constituição de uma Empresa Pública de Habitação, cujo objetivo era colocar no mercado, a médio prazo, pelo menos 30 mil habitações já propriedade do Estado, a preços acessíveis, tanto na modalidade de compra como de arrendamento.

Sánchez quer impedir que as casas do Estado acabem nas mãos de ‘fundos abutres’

Numa cerimónia pública presidida nesta segunda-feira pelo presidente do Executivo, o Governo de Pedro Sánchez propôs medidas como a proteção perpétua da propriedade pública das casas construídas pelo Estado, para impedir que acabem nas mãos de “fundos-abutres” a longo prazo. O projeto socialista, que faz do Estado o grande promotor nacional da construção de habitação pública, inclui ainda incentivos fiscais aos proprietários de imóveis vazios (mais de 4 milhões em toda a Espanha) para que os coloquem no mercado, um Plano Estratégico financiado por fundos europeus para incentivar a construção modular e industrializada baseada em novas tecnologias e outro Plano de Reabilitação abrangente.

A ministra da Habitação, Isabel Rodríguez, indicou na apresentação do projeto governamental que o objetivo no final da sua vigência é que o Estado disponibilize 1,5 milhões de habitações públicas aos cidadãos. Atualmente, o parque habitacional público em Espanha é de 2,5% do total, em comparação com 14% em França ou 34% nos Países Baixos. Sánchez observou que, nos últimos 10 anos, os preços das casas na Europa cresceram em média cerca de 45%, o dobro do aumento dos rendimentos das famílias. Segundo o Banco de Espanha, há uma necessidade imediata de 600 mil casas. Em 2024, foram construídas menos de 100 mil.

O plano governamental inclui o reforço do tratamento fiscal para apartamentos turísticos, que passarão a ser considerados como qualquer outra atividade económica e estarão sujeitos ao IVA correspondente. As compras de imóveis por parte de estrangeiros não residentes em Espanha, que foram contabilizadas em mais de 30 mil no ano que acabou de terminar, serão tributadas com uma taxa especial de 100% sobre o valor da transação.

Para o governo de coligação socialista – para cujos parceiros, mais à esquerda do PSOE, o plano é bom, mas pouco ambicioso – o projeto do PP para a habitação “representa um regresso à política desastrosa do enriquecimento rápido (pelotazo, no original), da bolha imobiliária e do recurso ao Estado para pagar as consequências”, como aconteceu na última crise, que custou aos cidadãos espanhóis mais de €60 mil milhões destinados ao resgate do sistema das Caixas de Aforro.