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Construção está mais barata, mas o preço das casas continua a subir

Desde o início do ano que os preços dos materiais de construção estão em desaceleração. No entanto, mantêm-se outros fatores que penalizam o preço final das casas que estão a entrar no mercado

Elisabete Soares

Em junho de 2023, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Habitação (INE), o preço médio dos materiais de construção apresentou uma variação homóloga de -1,5%, evidenciando uma quebra significativa, tendo em conta que em março e abril de 2022 atingiram aumentos de preço superiores a 20%.

Já o preço da mão de obra — outra das componentes que influenciam o custo final da construção —, apesar de continuar elevado, apresentando um aumento de 7,7%, menos 0,2% do que em junho, mostra também sinais de algum abrandamento em relação ao final de 2022, em que atingiu um pico de crescimento de cerca de 12%.

Este facto faz com que em julho de 2023 os custos de construção de habitação nova tenham aumentado 2,3% em termos homólogos, menos 0,5% do que o observado no mês anterior, sendo que em 2022 o custo da construção nova registou um aumento médio de 11,9%, contra uma subida média de 5,7% no ano anterior, de acordo com os dados do INE.

Embora o preço final da construção, sobretudo da habitação, seja resultado do impacto de várias fatores — como o valor do terreno e a fiscalidade (os impostos significam entre 20% e 30% no preço final de venda) —, continua a ser visível um escalar do aumento do preço final da habitação, tanto da nova como da usada. Assim, de acordo com os últimos dados do INE, entre abril e junho deste ano os preços das casas cresceram 8,7%, variação idêntica à do primeiro trimestre. Os custos das casas novas subiram 8% e os das já existentes 9%, em comparação com o mesmo período de 2022.

Para os profissionais do mercado consultados pelo Expresso o aumento do preço final da construção, sobretudo da habitação, tem, por isso, muito mais a ver com outros fatores, como o caso do custo dos terrenos, o impacto dos impostos e os custos financeiros, e menos com os preços dos materiais de construção.

Preços dos materiais chegaram a aumentar 70%

“É verdade que houve um grande alarme com a subida dos preços dos materiais durante o período da pandemia e depois com o início da guerra na Ucrânia e a escalada do custo da energia. Foi um período complicado e alguns materiais apresentaram subidas superiores a 40% ou mesmo a 70%”, destaca José de Matos, secretário-geral da Associação Portuguesa dos Comerciantes de Materiais de Construção (APCMC). Frisa, contudo, que o aumento de preços não aconteceu com todos os materiais e neste momento “esses aumentos já foram maioritariamente revertidos”. Já no caso da mão de obra, adverte que “os custos não param de aumentar, e esse é, de facto, o maior desafio que enfrenta o mercado no futuro”.

“Seguramente os aumentos dos preços dos materiais influenciaram o custo da construção para habitação. Contudo, não se pode generalizar esta ideia a todos os materiais”, destaca Jorge Reis, diretor-geral da Associa­ção Portuguesa das Empresas de Betão Pronto (APEB). Indica que “é importante notar que numa construção para habitação o preço do betão representa apenas cerca de 5% do custo final, excluindo o valor do terreno”.

Refere ainda que os preços das matérias-primas no sector da construção foram muito impactados devido a dois fatores que se complementam: o aumento dos combustíveis e das energias, tendo em consideração que estes materiais consomem grandes quantidades de energia (elétrica, calorífica) nos seus processos de produção, e os aumentos genéricos da inflação, com especial destaque para os aumentos do custo de mão de obra.

Custo da mão-de-obra também tem influência nos preços das casas

Na opinião de Luís Gandra, gerente da Predipalma — Empreendimentos Imobiliários, “existe de facto uma pressão sobre os materiais, mas a mão de obra também tem muita influência, sendo que as equipas de trabalhadores cobram o que querem pelos seus serviços”.

José Rui Meneses e Castro, fundador e sócio da MAP Engenharia, destaca que “os materiais têm um peso relevante no custo de construção e efetivamente, de uma forma generalizada, contribuíram para o aumento do mesmo”. Contudo, advoga que a somar a tudo isto “a construção (materiais e serviços) para habitação é tributada à taxa máxima de IVA em vigor. Ou seja, reúnem-se todos os fatores que influenciam o aumento do custo do processo construtivo”.

Segundo o responsável da APCMC, há vários fatores que têm contribuído para o aumento dos custos de construção nos últimos anos, apontando para a “influência dos encargos burocráticos, as taxas e impostos, os juros no financiamento da construção e ainda o cumprimento de novas exigências em termos de instalações e sistemas obrigatórios de energia, água, gás, comunicações, etc., e de requisitos de desempenho energético, conforto acústico, segurança”.

O forte impacto dos impostos

Sobre a construção de habitação a custos acessíveis, a ideia deixada pelos profissionais do sector é a de que a possibilidade de concretização é remota. Pelo menos se não se resolverem aquelas situações.

Segundo José Rui Meneses e Castro, uma medida que poderia ser tomada com impacto imediato seria claramente a redução do IVA na construção para habitação. “Permitiria a viabilização de mais construção, que seguramente, pela economia de mercado, se traduziria em preços finais para os compradores mais acessíveis.”

Na opinião do responsável da MAP Engenharia, “o aumento do número de projetos que seriam viabilizados, aumentando a oferta, e com a população a poder adquirir a sua habitação com um lastro de carga fiscal menor, a receita global do Estado aumentaria, derivado a haver um maior número de transações e ainda um aumento do poder de compra generalizado”.

“Não vamos conseguir ter preços acessíveis na habitação”

José de Matos acrescenta que “não vamos conseguir ter, salvo numa situação de crise imobiliária, preços de habitação acessíveis, quer para o mercado da habitação própria, quer para o mercado do arrendamento, se os custos continuarem a escalar como se verificou no passado mais recente”. Sinaliza ainda que, “admitindo que não é possível influenciar a curto prazo a evolução dos preços dos materiais nem os preços da mão de obra, só existem três formas de reduzir os preços das casas: agindo sobre os preços dos terrenos (terrenos públicos em regime de direito de superfície), reduzindo os impostos (IVA) e custos financeiros (linhas do BEI) e construindo de forma mais eficiente”.

Jorge Reis considera que “para se mitigar o aumento dos custos da construção poderão existir medidas como a redução do valor do IVA na construção ou do IMT/IMI, o ponto-chave é saber o que será feito para fomentar e incentivar a construção”. E dá alguns exemplos do que deveria ser feito: “Os municípios poderão disponibilizar terrenos para construção de qualidade a preços controlados, como se faz em muitos países da Europa.” Além disso, as autarquias e organismos públicos “deverão ser muito mais rápidos e ágeis na atribuição das licenças para construção, pois os prazos que se verificam hoje são demasiado extensos e contribuem de forma indireta para aumentar o custo da construção para habitação”, acrescentando que “esta situação obriga a uma imobilização de capital significativo, por longos períodos de tempo, o que faz crescer os encargos com juros e faz com que os promotores tenham uma menor capacidade para construir num mesmo período de tempo”.

Para ele, outra medida estruturante, entre muitas possíveis, com efeitos a médio prazo, seria a diminuição de exigência em termos urbanísticos do número mínimo de estacionamentos por fogos construídos em determinadas zonas. “A mobilidade, assim como as necessidades de deslocação, ­atualmente é totalmente diferente, e poderia ficar ao critério do promotor imobi­liário e do comprador que necessidades de estacionamento propõem, ou seja, o mercado a funcionar”, frisa.