Economia

“Sistema nervoso digital” das PME faz update

Projetos Expresso. Estudo. Se é certo que 90% das empresas portuguesas já está em processo de transição digital, também é certo que o alcance desta transformação varia e que a pandemia trouxe um sentido de urgência cujo impacto já se sente. É uma das conclusões da sondagem nacional do Expresso, “Novos Desafios Digitais, a Gestão das PME”, feita em parceria com a PHC, num estudo realizado pela GFK, que pode conhecer melhor na infografia da página ao lado e que o Expresso apresentará durante as próximas três semanas

Não há outra forma de o dizer: a transformação digital é uma realidade. Ponto. Seja de que área falemos, a introdução destes processos é cada vez mais essencial para garantir uma vantagem competitiva e fazer com que as empresas não se atrasem nesta corrida. Que ganhou ainda mais velocidade como resultado das mudanças súbitas provocadas pela pandemia e a necessidade de desenvolver novos mecanismos tecnológicos, muito rapidamente, para muito mais gente.

“Pensar que temos uma estratégia que não contemple a digitalização não faz sentido”, atira o secretário de Estado para a Transição Digital. André de Aragão Azevedo foi uma das presenças na apresentação do estudo “Novos Desafios Digitais, a Gestão das PME” e é da opinião de que “a transição digital é um processo permanente de autodesafio”. Os resultados da sondagem dão conta de uma “maturidade digital deste sistema de PME” que dá confiança para o futuro, embora ainda haja (muitas) arestas por limar.

São 90% as empresas que já deram início ou que estão a planear o seu processo de transição digital, e para o CEO da PHC, Ricardo Parreira, “os empresários estão muito conscientes do potencial que temos”. Foram mais de 500 os inquiridos para o estudo, e o responsável crê que existem “muitas oportunidades”, mesmo para quem se encontra mais atrasado neste processo. Veja-se, por exemplo, o caso de 80% das empresas que continuam sem vender por via digital, apesar da verdadeira explosão que o comércio digital registou nos últimos meses como consequência da covid-19.

Claro que “não é pela pandemia que a transição se tornou importante. Já era importante”, relembra Ricardo Parreira, que destaca também “o novo pensamento” que predomina sobre a produtividade, em que a “mobilidade se tornou importantíssima”. O teletrabalho foi uma das expressões mais repetidas ao longo da pandemia e é uma das tendências da era digital que veio para ficar, de uma forma ou de outra. Para se ter uma ideia, só 15% dos inquiridos acreditam que, atualmente, as pessoas têm de trabalhar na sua secretária no local de trabalho.

Para algumas empresas, como o Grupo Nabeiro — Delta Cafés, a automatização de processos já estava em pleno andamento, como conta o administrador, Rui Miguel Nabeiro. Antes, “fazíamos matemática à caneta para perceber como fazer distribuição com uma carrinha. A “digitalização permitiu melhorar esse processo”, explica, com a certeza de que não “há hipótese nenhuma de não termos digitalização no nosso negócio”. Ímpeto de mudança que a pandemia tornou ainda mais urgente e que contribui para que 70% das empresas já estejam a tirar partido de novas formas de trabalho e mobilidade das equipas, enquanto 45% já começam a desenvolver modelos de negócio online.

Mais competências

Sem esquecer que o foco deve estar numa “transformação tecnológica que vá além da tecnologia”, atira Daniel Traça. O diretor da Nova School of Business and Economics defende que a “visão” que a maior parte dos gestores de PME “têm do impacto que tudo isto pode ter” é redutora.

“Quando coloco tecnologia, tenho de alterar completamente o meu modelo de negócio”, lembra. “E, posto isto, tenho de mudar a cultura. Se os empresários não o fizerem, há outras pessoas que o vão fazer”, garante, com a certeza de que esta é uma “revolução muita rápida”, para a qual é preciso promover uma renovação. Pede, por isso, a promoção de uma “geração mais comprometida para lugares de mais responsabilidade” e a criação de “uma dinâmica geracional”, que acha “muito importante”.

Mesmo com estes riscos, três em quatro gestores não acham “muito provável serem ultrapassados por um competidor mais evoluído tecnologicamente”, revela Ricardo Parreira, algo que o preocupa quando está claro, aos olhos de todos, que a transição digital não espera por decisões e não perdoa atrasos. É essencial “investir no sistema nervoso digital” das empresas portuguesas, defende, para que estas sejam uma componente sólida da economia global do conhecimento e reconheçam o novo papel do consumidor. As pessoas compram cada vez mais online e estão mais informadas, pelo que as ferramentas digitais têm de estar em constante evolução para corresponderem aos desejos do mercado.

É aqui que entra também o campo das competências, que André de Aragão Azevedo não tem problemas em classificar como “o maior desafio da sociedade portuguesa”. Para o governante, é preocupante que 23% da população portuguesa nunca tenha utilizado a internet, o que se trata de uma “vulnerabilidade social que temos de corrigir” para nos aproximarmos “da média europeia de 10%”. Existem “dois ‘Portugais’”, elabora André de Aragão Azevedo. “Um até aos 45 anos e outro com mais de 45 anos, em que o decréscimo em termos de competências digitais é abrupto.” Estamos, por isso, perante um “desafio da requalificação profissional”, a que se deve juntar uma “estratégia de capacitação que comece na escola”.

Face aos seus concorrentes nacionais e internacionais, se 36% das empresas consideram que estão iguais ou melhores no que diz respeito à gestão no contexto digital, 20% admitem não saber em que ponto estão ou qual é o ponto mais frágil da estrutura neste campo. A presença online é a grande preocupação de 11%, enquanto a mesma percentagem revela estar atrasada. Números que ajudam a ilustrar as duas velocidades com que a transição digital avança nas PME portuguesas e que pedem mais atenção por parte de todos. “A empresa, para estar à frente, precisa desta energia”, atira Daniel Traça.

Quatro visões para a transformação digital

Esta pandemia é sobretudo um acelerador. Não há nada que vá mudar estruturalmente, mas muitas tendências que já se estavam a sentir vão acelerar. Põe ainda mais pressão nas empresas para fazerem um ajustamento e, obviamente, tem muitos desafios, porque a mudança digital não é fazer as mesmas coisas usando tecnologia. Vai levar sobretudo a uma mudança de estratégia. O que se faz, como se faz. Até a uma mudança de cultura no relacionamento com os trabalhadores, para perceber se eles estão disponíveis para aceitar este processo, para inovar e para melhorar. Estamos num mundo ainda mais acelerado de transformação digital por causa da pandemia, e a mudança que as organizações vão ter de fazer exige que os líderes pensem se têm capacidade ou se está na altura de trazer as novas gerações. Isto é o grande desafio para assegurar que, daqui a uns anos, a empresa está viva.
Daniel Traça, Diretor da Nova School of Business and Economics


Com este estudo, o que vimos é que há um novo pensamento sobre a produtividade. Os empresários revelaram que têm muito mais preocupação com o que a tecnologia pode trazer hoje à produtividade, à mobilidade e à possibilidade de o trabalhador poder desempenhar a sua função em qualquer local. Temos 90% de empresas que já estão a pensar e a executar a sua transição digital mas, dentro deste valor, há algumas que estão atrasadas e algumas que estão adiantadas. As que vão mais atrás têm imensas oportunidades de pensar o seu negócio de forma mais digital, não chega comprar software para ser uma empresa digital. Nas empresas mais à frente, há todo um mundo de um novo estilo de colaboração. Ou seja, há empresas em diferentes fases, mas há oportunidades para todas.
Ricardo Parreira, CEO da PHC Software

A pandemia obrigou-nos a mudar muitas coisas. Obrigou-nos a ligar-nos à distância e a conseguir fazer reuniões e obrigou-nos a repensar os negócios. É a realidade. Quem disser que não viu o seu negócio alterado por causa da covid-19 estará a mentir. De facto, esta mudança e a tecnologia vieram ajudar e, em muitas casos, a minimizar o impacto da pandemia. Parece-me inevitável que muitas destas mudanças não vão voltar para trás, vieram para ficar. Os clientes e os consumidores estão muito agarrados à tecnologia. As empresas têm de perceber como se reinventar, o que fazer de diferente e até o que têm de mudar na sua estratégia para serem capazes de subsistir e ter sobretudo uma visão de futuro. A tecnologia vai ajudar seguramente a desenvolver o negócio.
Rui Miguel Nabeiro, Administrador do Grupo Nabeiro — Delta Cafés

Existe um sentido de urgência em relação à transição digital do nosso país trazido pela pandemia. Houve muitos processos que se aceleraram, porque as empresas e organizações públicas tiveram de se ajustar a um novo contexto, mas eu diria que a transição digital decorre de uma necessidade mais estruturante de passar para um novo modelo económico e social. Implica, por exemplo, responder ao desafio da capacitação digital, que foi aqui espelhado neste estudo. Implica também a capacidade de as empresas reinventarem o seu modelo de negócio com a noção de que estão agora a concorrer para um mercado único global. Isto é uma mensagem muito importante para as PME, porque representa um potencial de angariação de receita muitíssimo superior. Mas também implica revisitar processos ou pensar numa nova experiência do utilizador.
André de Aragão Azevedo, Secretário de Estado para a Transição Digital

Textos originalmente publicados no Expresso de 26 de setembro