Foi ele que escolheu o campo. Em cima da hora, preferiu jogar em casa. Não a grande moradia fora da cidade que já mostrou aos portugueses nos ecrãs da SIC, mas a casa de Belgravia, bairro muito «posh» do coração de Londres, a pouca distância do rio Tamisa e do estádio do Chelsea. É num beco tranquilo que vive com Tami (Matilde) e os dois filhos, Tita (Matilde) e Zuca (José). Assim podem ir às compras e ao cinema a pé, ao contrário do que acontece em Cobham, onde preferem estar ao fim-de-semana. Dada a antecipação da entrevista (marcada para o dia seguinte), os jornalistas do Expresso acabaram por jantar na sala de José Mourinho. Carne estufada com cenoura e arroz, a que se seguiu um gelado de baunilha servido por uma simpática empregada brasileira. Na copa, o treinador do Chelsea assistia a uma transmissão da Sport TV em português. Depois, passou para o sofá.
Está em segundo lugar este ano, mas fala aos jornais como se fosse em primeiro. Não o assusta não ir à frente desta vez?
É uma experiência nova para mim. Nas outras duas épocas começámos à frente muito cedo. Já nas duas épocas anteriores, em Portugal, foi a mesma coisa. Eu sempre disse e não mudo o discurso agora que sou o perseguidor que é melhor ir à frente. Quem vai à frente só tem de pensar nele próprio. Quem vem atrás tem de ter alguma preocupação para que aquele que vá à frente tenha os seus percalços.
Como acha que vai reagir se perder o campeonato?
Anormalidade é eu ter ganho quatro campeonatos seguidos. Não é normal um clube fazê-lo, e muito menos um treinador. Se eu perder um campeonato, o quinto ou o sétimo, seja ele qual for, encaro-o com naturalidade. O que eu procuro fazer para não me culpar a mim próprio quando isso acontecer é tentar que os níveis de ambição não diminuam porque ganhei três ou quatro campeonatos. Gostava que acontecesse porque o adversário foi melhor, não porque não fui tão competente, tão determinado, tão líder como costumo ser. Mas estou tão convencido agora como estava há três ou quatro meses de que vamos ganhar o quinto campeonato.
O Chelsea tem mais adeptos hoje do que tinha há dois anos e meio, antes de ter chegado?
Tem.
Nota muita diferença?
Eu não noto muita diferença, porque desde que cheguei a lotação está esgotada uma semana antes do jogo. Não há um único bilhete para um único jogo.
A imprensa inglesa diz que o Chelsea joga menos bonito do que outras equipas.
O poder económico das equipas consideradas não candidatas ao título é tremendo. Não está a ver uma equipa como o Braga ou o Vitória de Setúbal pagar dez ou 15 milhões de euros para contratar um jogador. Aqui, uma equipa do fundo da tabela gasta tranquilamente seis, sete milhões de libras por um futebolista. Cada jogo pode-se perder ou ganhar. A exigência é tremenda. Depois, há muitas competições. Chegamos ao final de uma época com 60 a 65 jogos. Uma equipa como o Chelsea não pode fazer escolhas. Temos de tentar ganhar todos os jogos e todas as competições. É um desgaste tremendo. Eu costumo dizer com todo o respeito, porque é o futebol de onde eu venho e para onde um dia irei voltar que em Portugal brincamos um bocadinho ao profissionalismo. No ano passado, enquanto as equipas portuguesas estavam de férias de Natal, nós jogámos sete jogos.
Vê o futebol da mesma forma que via antes de vir para Londres?
Uma equipa campeã em Inglaterra não é campeã em Espanha, e o campeão em Espanha não o é em Inglaterra. São coisas completamente diferentes. Temos de ser flexíveis e nos adaptar às características do futebol onde estamos. E Inglaterra tem mudado. Houve grandes treinadores que chegaram, antes de mim, e eu também tenho alguma responsabilidade na mudança de qualidade do jogo. O futebol inglês deixou de ser tão directo e tradicional como era.
Mudou, portanto, depois da sua vinda.
Houve outros treinadores que já tinham tido uma influência positiva. Por exemplo, o Wenger. É óbvio que não somos os melhores amigos, mas respeito o trabalho que ele fez e tenho de reconhecer que é um grande treinador. Começou a fazer um bom trabalho mesmo antes de eu chegar.
Mandou um postal de Natal a Arsène Wenger. Porquê?
Não mandei só a ele.
Wenger diz que passou a olhá-lo com outros olhos a partir desse momento.
Confesso que mando para todos. Na primeira liga somos 20 treinadores e eu envio 19 postais de Natal.
Há dois anos disse em entrevista ao Expresso que se considerava a grande cabeça do futebol não só em Portugal como na Europa. Continua a achar-se o melhor dos treinadores?
São troféus. Ganhei os dois últimos anos mas estou convencido que este ano não voltarei a ganhar. Não é porque seja melhor ou pior do que era, mas o futebol é mesmo assim. Nos últimos anos não ganhei competições europeias. O troféu vai e vem. É como com os jogadores e a Bola de Ouro. Umas vezes vai para o Zidane, outras vezes vai para o Figo. Agora, é óbvio que estou num grupo de elite onde há seis, sete ou oito treinadores. Treinamos os melhores clubes, estamos nas melhores competições, conseguimos os melhores resultados, ano após ano.
Mas o que é o torna, a seu ver, o Special One?
Eu vim quase directamente do anonimato. Quando eu treinava o Leiria ou na minha primeira época no Porto, era praticamente um desconhecido. Passei do anonimato para esse grupo restrito de elite. O que é que nos leva para lá? Os títulos. O que é que nos mantém lá? Os títulos. Não há volta a dar: o futebol é ganhar. Special One? No futebol inglês isso faz sentido talvez pela ruptura com o tradicionalismo, por ser uma personalidade diferente, que arriscou muito na primeira época, na primeira abordagem. Nunca nenhum treinador tinha sido campeão ao chegar ao futebol inglês. Sempre foi considerado algo de muito especial, de difícil adaptação e domínio.
Não acha que tem arriscado demasiado às vezes? Houve aquela acusação ao treinador do Barcelona, Rijkaard, de que ele tinha ido ao balneário do árbitro...
Não arrisquei nada. Fiz aquilo que sempre faço, que é acreditar nos meus e naquilo que os meus me dizem de uma forma cega e objectiva. E se um adjunto me diz «foi assim, eu vi», não é nenhum Rijkaard deste mundo que me vai dizer o contrário. Simplesmente pus-me ao lado de um colaborador, como me porei sempre, sem olhar às consequências. Não é o exemplo perfeito.
Esse episódio abalou a sua imagem.
Um dos meus problemas é exactamente não me preocupar com a minha imagem. É uma das minhas características, que faz com que eu seja mais amado por uns e mais odiado por outros. É mais importante a minha equipa e os objectivos que perseguimos. São princípios dos quais não abdico.
Não se arrepende?
Não me arrependo. Exactamente porque o princípio é inerente à minha personalidade.
E nunca pediu desculpa?
Pedir desculpa por uma convicção ou uma característica de personalidade, não sou capaz de o fazer. Sempre considerei que houve uma desigualdade brutal (no caso Rijkaard) na forma como as coisas foram analisadas e conduzidas. Uns foram de imediato considerados os donos da verdade e os outros foram considerados os donos da mentira. E quando as coisas vão por esse caminho, não vale a pena haver mais discussão. É um episódio que faz parte do passado. Uma das vantagens de ter atingido um determinado estatuto é que podemos chegar a um momento e dizer: pensem o que pensarem de mim, a minha qualidade é evidente. Não há dúvidas sobre a minha competência. Estou-me nas tintas para o que pensam e para o que dizem.
Mas lembra-se de alguma vez ter pedido desculpa a um treinador adversário? Alguns sentem-se ofendidos consigo.
Também não me lembro de alguém me ter pedido desculpa. Às vezes nem há necessidade da palavra. Por exemplo, eu e o Benitez, do Liverpool, tivemos um ou dois jogos em que trocámos declarações um pouco mais agressivas e onde o jogo terminava e nem sequer nos cumprimentávamos. Esta época eu estava à espera dele no túnel e sem uma única palavra abraçámo-nos. Para mim, isso tem mais significado do que algum de nós ter dito que esteve mal ou esteve bem. Estivemos os dois mal. Já nos encontrámos depois disso meia dúzia de vezes. Mais vale um gesto do que uma palavra. Quando as pessoas gostam uma da outra, como é o caso, as coisas acabam sempre por se resolver.
Tornou-se amigo de Roman Abramovich ou mantêm uma relação meramente de patrão-funcionário?
A dimensão da palavra "amigo" é complexa. O que posso dizer é que gosto dele. Tenho uma relação que ultrapassa a ligação patrão/treinador. É uma relação aberta, frontal, muito objectiva e pragmática. Ele sabe o que é que eu quero, eu sei o que é que ele quer. Os meus problemas são os problemas dele, os meus objectivos são os objectivos dele.
Ele segue de perto a vida do clube?
Tem a sua vida, mas raramente perde um jogo. Quando as suas semanas permitem que esteja em Londres, também vai ao centro de estágio. Mas, ao contratar-me e ao contratar o Peter Kenyon e outros profissionais importantes, é exactamente com o objectivo de ter os melhores e delegar funções e responsabilidades e de não se preocupar muito.
Ele costuma fazer-lhe reparos?
Não. Encaramos as coisas com naturalidade. Pertencemos os dois ao mesmo projecto. Eu como profissional, ele como dono. Estamos ambos contentes quando as coisas estão bem, estamos ambos chateados quando as coisas estão mal. E sabemos que a cooperação é importante. Ele também sabe, pela minha personalidade, que se algum dia não estivesse contente no Chelsea ele iria ser o primeiro a saber que eu me quereria ir embora. Com esta abertura e frontalidade, a minha vida no Chelsea é tranquila.
O que é que o distingue do Pinto da Costa?
São completamente diferentes. A vida profissional do senhor Pinto da Costa, pelo menos no meu tempo, era o Futebol Clube do Porto. Vivia 24 horas para o clube. O Abramovich é uma pessoa com uma vida para além do futebol.
Prefere alguém como Abramovich, que mantém uma maior distância?
Nós temos é de nos adaptar em função daquilo que é a liderança do clube. Com o tipo de relacionamento que há com um presidente do dia-a-dia, não há necessidade de reuniões periódicas, organizadas, documentadas. Senti-me bem no Porto e sinto-me bem como funciono agora.
Costuma ler o que escrevem sobre si?
Não.
Ninguém lhe faz um resumo?
Há um assessor de imprensa no clube que está comigo todos os dias e que me faz um briefing. Não é um assessor pessoal que vem dizer: «Escreveram este artigo sobre ti». O que me preocupa são as notícias em redor da minha equipa, para eu poder liderar melhor.
Tem consciência de que muitas vezes saem artigos sobre si que nada têm a ver com futebol?
Tenho a noção disso.
O nome Mourinho traduz uma espécie de atitude e é usado para muitas coisas. Até para a gestão. Tem ideia de que a imprensa inglesa o trata de forma diferente do que a imprensa portuguesa quando estava em Portugal?
A imprensa portuguesa é muito mais futeboleira. Eu dava uma conferência de imprensa antes de um jogo qualquer e, no dia seguinte, O Jogo, o Record, A Bola faziam uma transcrição palavra por palavra. Eram capazes de fazer uma página sobre a minha conferência de imprensa. E, no dia a seguir ao jogo, havia a análise táctica ao jogo. Em Inglaterra a imprensa não é futeboleira, nem é desportiva. Não há um único jornal desportivo. Há duas ou três páginas de desporto em cada jornal, desde o Sun até ao Times. Eu nem consigo saber pela imprensa qual é o jogador que está lesionado na equipa com que eu vou jogar. O que é escrito tem de ser bombástico.
Não é propriamente "diplomático" em público. E em privado? Acha-se boa pessoa?
Acho que sou boa pessoa. Há claramente um Mourinho que é treinador e um Mourinho que não é treinador.
Os fins justificam sempre os meios?
Não. Em absoluto. A maior prova disso é que na minha vida há prioridades. E as minhas prioridades não são o futebol. Há uma coisa que me irrita terminantemente: a calúnia. Por exemplo, em Portugal eu ia a Fátima muitas vezes. E comentava-se: lá vai ele a Fátima porque é antes de um grande jogo.
Isso é uma calúnia?
Então não é? Eu vou a Fátima pedir para ganhar um jogo? Eu ia e vou a Fátima porque gosto.
Fátima não merece essa desconsideração, é isso?
Para mim a única coisa que me preocupa no mundo, de facto, são os meus. Quero lá saber do futebol para alguma coisa. Agora eu ia a Fátima pedir para ganhar um jogo?... A minha vida não é o futebol.
Mas é católico.
Sou católico e sou crente.
Nunca pediu a Deus para ganhar um jogo?
Já pedi. Mas a minha prioridade de vida não é o futebol.
Mas dentro do futebol e voltando aos fins que justificam os meios: prefere perder um jogo justamente e ser correcto ou ganhar mesmo que tenha de torcer um pouco as coisas?
Sou um adepto da correcção. O que eu não gosto é de perder pela incorrecção. E também não gosto de ganhar por incorrecção. Se me disser: vais ganhar no último minuto com um golo marcado com a mão, eu não quero. Mas também não quero perder assim. Os fins não justificam os meios. Agora, enquanto líder de um grupo, vou dar-lhe um exemplo concreto: quando faço as minhas escolhas, faço-o a pensar na melhor maneira de atingir um resultado. Magoa-me, no final de uma época, dizer a um jogador «não te quero cá, vais-te embora». Mas tenho de o fazer. Pagam-me para isso.
E transmite essa emoção aos jogadores?
Depende do jogador.
Adapta-se aos temperamentos?
Sim, adapto-me. Sou totalmente contra o velho chavão do futebol de que todos devem ser tratados da mesma maneira. Não devem. Cada um deve ser tratado de uma maneira muito específica.
E dá essas indicações aos seus adjuntos?
Dou. Às vezes conseguem ter eles uma afinidade maior com os jogadores do que eu próprio. Os jogadores podem defender-se mais comigo.
Não incentiva muito o convívio com eles.
Fora do espaço de trabalho, não. Eles precisam de espaço. Quando há o jantar de aniversário de um jogador e eu sou convidado, não quero ir. Não quero estar lá. Naquele momento devem beber o que quiserem sem eu saber o que bebem.
Os jogadores de futebol têm fama de se portarem muito mal.
Há uns que se portam bem e outros que se portam mal. Deve ser com os jogadores e com os jornalistas, os políticos, os médicos, com todos.
Neste momento é adversário directíssimo de Carlos Queiroz. Dão-se bem?
Damo-nos bem mas só falamos quando jogamos um contra o outro. Antes e depois do jogo, encontramo-nos.
Esteve para sair do Chelsea no final da época passada. Porquê?
Porque achava que o clube e o nosso trabalho são analisados de uma maneira injusta. De um lado há o potencial económico do Chelsea, mas do outro há o historial, o estatuto, o peso institucional de outros grandes clubes que jogam contra nós. Para o trabalho que se faz neste clube, meu e dos jogadores, há sempre um ponto de interrogação. Não nos dão o valor que sentimos que merecemos. Em determinados momentos, há um pouco de frustração e passa-nos pela cabeça dizer "já chega, quero outra coisa".
Sentiu que o seu trabalho não foi reconhecido?
Eu acho que nunca é reconhecido da mesma forma (que os outros). As coisas não mudam, agora cabe-nos a nós termos força suficiente.
Mas começou logo a ganhar em Inglaterra.
Se calhar o nosso problema foi começarmos a ganhar cedo de mais. A fasquia fica colocada bem alta e é por ela que nos temos de guiar. Fomos campeões no primeiro ano, fomos campeões no segundo e não há volta a dar: ou somos campeões outra vez ou o nosso trabalho será analisado de uma forma negativa.
Tem a sua equipa de sonho?
A equipa de sonho não existe. Há jogadores que jogam noutras equipas e que são intocáveis. Os grandes clubes não vendem os seus melhores jogadores. Mas tenho um plantel muito bom, com pequeninas lacunas, como todos têm. O grande segredo é fazer com que o todo seja melhor do que a soma das partes. Aí é quando a equipa está concluída.
Está contente com Hilário?
É uma situação muito específica: ser suplente do melhor guarda-redes do mundo. Se tudo corre bem e não há lesões, os guarda-redes suplentes são capazes de passar uma época inteira sem jogar. O que aconteceu com o nosso abriu as portas ao Hilário e eu não podia estar mais contente. Ele tem contrato por mais um ano e meio e penso que a tendência natural das coisas é renová-lo por mais tempo ainda.
Sente-se muito popular?
Sinto-me demasiado popular em Londres.
O jornal A Bola avaliou o número de vezes que tem saído na imprensa inglesa e concluiu que está tecnicamente empatado com Tony Blair. Tem ideia dessa dimensão?
Tenho ideia de que o que mais queria para a minha vida, quando eu saísse do meu trabalho e chegasse à rua, era ser uma pessoa igual às outras e não sou.
Costuma andar a pé na rua?
Há coisas de que não posso abdicar.
E é muito abordado?
Sou abordado e incomodado. A maior parte das vezes com simpatia.
O que é que lhe dizem?
As mais variadas coisas. Estou, por exemplo, a jantar com a minha mulher ou nas compras com ela ou a brincar com os meus filhos na rua e dizem-me: "Peço mil e uma desculpas por interromper". E acrescentam: "Mas queria isto ou aquilo". E eu digo sempre: "Peço mil e uma desculpas por interromper, mas já interrompestes". Tento reagir com a maior educação possível. É uma abordagem que eu guardo sempre na memória, porque não é muito ofensiva. Antes pelo contrário, é extremamente educada. Mas quando estou com a minha mulher e os meus filhos, quero ser só deles e não consigo.
Não lhe dão conselhos?
Em Inglaterra as pessoas são muito correctas. E eu também não dou tempo, porque fujo. Fujo o mais que posso. Tenho uma filosofia muito própria: quando estou com o emblema do Chelsea ao peito, tenho de estar disponível para tudo e para todos. Se acabo um treino ou vou para um jogo ou se estou num hotel em estágio, em representação do clube sinto uma obrigação tremenda de dar resposta a todo o tipo de solicitações. Principalmente de crianças. Sou incapaz de dizer não. Mas quando estou fora do trabalho, com os meus, aí sinto que a minha vida não tem retorno.
Como compara Londres com o Porto?
No Porto era uma estrela, mas se fosse a Lisboa era insultado. Aqui nem pensar. A coisa mais corriqueira do mundo é alguém vir na rua e apresentar-se como um superadepto do Arsenal ou do West Ham e falar comigo com uma correcção e uma estima fantásticas. Em Portugal somos muito mais emocionais. Não conseguimos separar o cidadão do trabalho.
E as mulheres não o assediam muito?
Não. Nem muito nem pouco.
Tem fama de ser muito admirado pelo público feminino. Não costuma ter «feed back» desse lado?
Não. A maneira como se me dirigem é igual: mulheres, homens, crianças. Fotografia, autógrafo. Há uma coisa que os meus filhos me disseram e que me ficou marcada. Fomos uma vez à EuroDisney e disseram-me: "Contigo nunca mais".
Não se divertiram?
Não. São coisas que a nossa vida perde e de que as pessoas não se apercebem muito bem. É uma perda sem retorno. Se eu hoje deixasse o futebol, a minha vida social já não se ia modificar para melhor. Não há volta a dar.
Já conhece bem Londres?
Conheço. Moro no centro da cidade.
Faz vida de bairro?
Faço. A escola dos miúdos é aqui perto.
Consegue ir às compras?
Sim, sendo incomodado
É evidente que tentamos ter o nosso espaço. Temos um local fora de Londres onde vamos de fim-de-semana e onde estamos mais tranquilos. Mas não posso abdicar de ir ao cinema ou de ir buscar os meus filhos à escola e de vir a brincar com eles na rua, de trotinete ou de «skate».
Vai buscá-los a pé?
Quando o tempo o permite, vou.
E jantares românticos com a mulher?
Consigo tê-los, mas sou capaz de estar com o garfo na boca ou a meio de uma conversa importante que queremos ter a dois e de repente não é a dois é a três. Alguém interrompe e pede para tirar uma fotografia, para o filho ou para o neto. A minha mulher, como educadora dos nossos filhos, tem um trabalho árduo, que é prepará-los para a vida que têm. A culpa é minha devido à dimensão que eu atingi na minha profissão mas é a vida que temos.
Os seus filhos estão a gostar do ambiente e da escola?
Eles gostam de Londres.
Já têm muitos amigos ingleses?
Sim. E já falam fluentemente inglês. Ela, além de falar, escreve. É completamente bilingue. Tem dez anos e está no quinto ano. Ele está na primeira classe.
A sua mulher deve estar feliz por lhes poder proporcionar uma educação melhor do que aquela poderiam ter em Portugal.
Não digo que a formação seja melhor. A minha mulher era uma apaixonada pelo plano de vida que nós tínhamos no Porto. Ela adorou viver lá. E os miúdos também. A escola onde eles andavam, o colégio Luso-inglês, era absolutamente fantástica. Serviu-lhes como uma base muito importante para virem para cá. A adaptação foi fácil, arranjar amigos também. Eles sentem-se bem. Estão felizes.
No início, quando veio para Londres, a sua vida social circulava muito à volta dos seus técnicos adjuntos portugueses.
Com os meus adjuntos estou cada vez menos. Eles moram todos praticamente juntos, longe de mim. Já têm as suas famílias. Estão muito mais independentes e perfeitamente adaptados. Estou contente com isso. Nós continuamos, obviamente, a ter a mesma boa relação que tínhamos com eles, mas vivemos cá do outro lado da cidade e os miúdos fazem amigos na escola e isso é muito importante. Amanhã à tarde tenho um jogo marcado quatro contra quatro.
Que jogo é esse?
Eu fico numa baliza, o segurança dos meus filhos noutra baliza, e jogam o meu filho e mais cinco amigos que vêm da escola de propósito. Sexta-feira à tarde é o dia de jogarmos.
E jogam onde?
Aqui na rua.
Acha necessário os seus filhos andarem com segurança privada?
Achamos que sim. Fomos aconselhados a isso não só cá como também em Portugal. Não gostamos que seja uma coisa muito visível e palpável, mas dá-nos tranquilidade.
E eles sentem-se confortáveis?
Sim, porque não é uma coisa muito presente. Sabemos o que está a ser feito, mas não com muita proximidade.
Dizia no outro dia que não jogava golfe, referindo-se ao «hobby» de Alex Ferguson (treinador do Manchester United, um dos principais rivais do Chelsea). Se não joga golfe, o que é que faz, então, em alternativa?
A família vem em primeiro lugar, o futebol em segundo e o que vem depois é para onde a minha família me arrasta. Sou arrastado no pouco tempo que tenho livre para aquilo que eles gostam de fazer. Mas vou contente.
O que é que o surpreendeu mais na vida em Londres?
Londres permite que num determinado momento eu diga assim: «Agora quero fazer isto». E em Londres faço. Se estiver em Setúbal, que é a cidade que eu mais adoro, e quiser ir ver um musical, não vou porque não há. Aqui vou onde quero e quando quero: jantar num restaurante chinês à meia-noite ou num restaurante italiano às duas da manhã. É só escolher. Eu não escolho muito porque a minha vida é a família e o futebol. Não preciso de muitas escolhas. Mas um cidadão comum com uma vida normal em Londres, é só estalar os dedos. Londres tem tudo.
Tem visto muitos musicais?
Já fui arrastado. Fui ver o «Rei Leão», porque os miúdos me arrastaram, e fui ver o «Mamma Mia», porque a minha mulher me arrastou.
E no cinema, tem ido às estreias?
Só fui uma vez. Fui à de The Incredibles.
Passou no tapete vermelho?
Passei. Mas já não passo mais. Isso não é para mim.
Sentiu-se deslocado?
Não é a minha vida. Há pessoas que pagam para ser famosas, eu pagava para não ser famoso.
Tem vizinhos famosos. Dá-se com eles?
Não me dou muito.
Eles não se metem consigo?
Não. Para mim há duas classes de famosos: os que são porque têm mérito e os que pagam para ser. Normalmente, os que têm mérito são uns gajos muito simples, com quem se pode jantar e conversar. Não têm vaidade absolutamente nenhuma. Estive várias vezes com o Brian Adams, que é uma superestrela, e parece que estava a jantar com um tipo qualquer. Encontro-me com o Robin Williams e com o pai dele no hotel em que fazemos estágios e estamos ali a conversar como se ele fosse um tipo absolutamente normal. Se transportarmos isso para o lado português acaba por ser a mesma coisa. No outro dia eu e a minha mulher estivemos a jantar com a Mariza, o Rui Veloso, o Carlos do Carmo, o João Gil. Não os conhecia, foi a primeira vez que estive com eles.
Convidaram-no para jantar?
Sim. São uns tipos porreiros e simpáticos. Ao fim de meia hora, dá para sentir uma empatia grande. Mas a vida, normalmente, afasta-me um bocado disso.
E não o desafiam para ir à televisão inglesa?
Não vou. Têm-me convidado, mas não vou.
Nem a debates vai?
Não quero ir. Nunca fui.
Os outros treinadores não vão?
Alguns vão, mas eu não quero. Aquilo que faço, faço porque tenho de fazer. Vou às conferências de imprensa com o Chelsea porque tenho de ir. Vou às acções de promoção de «sponsors» porque é obrigatório, faz parte da minha contribuição para com o clube. E sou patrono de uma associação de caridade aqui em Londres e vou a coisas que sinto o dever de ir. Eu e a mulher somos parecidos se calhar por isso é que somos casados. A minha mulher é uma mulher de classe.
Os paparazzi não vos chateiam?
Também são uns gajos porreiros. Temos pactos com eles: à porta de casa não, não quero que saibam onde moro; com os meus filhos de uniforme escolar não, não quero que saibam em que escola andam. Já a passear com a minha mulher na rua, se eu não quiser aparecer não vou.
E eles cumprem com as regras?
Cumprem. Mas chateiam. Um tipo vai a sair de uma loja e pum.
Para onde têm ido de férias?
Fazemos o nosso Algarve mas saímos sempre para outros lados. O nosso Algarve acaba por ser familiar. O meu pai é de lá, a casa que comprámos é num sítio onde vamos passar férias desde que somos crianças. Temos amigos desde essa altura. É o que eu chamo o Algarve escondido, mais selvagem. É dos poucos sítios onde se pode estar. Depois, procuramos países estrangeiros onde possamos encontrar a tranquilidade que não temos na Europa.
Onde não haja futebol
No Brasil, nalguns locais, é bom. Nos Estados Unidos também. Procuramos destinos que nos dêem espaço. Nos Estados Unidos, só se tivermos o azar de encontrar algum europeu ou latino-americano.
Quem é que escolhe o local?
Tentamos chegar a um acordo. A minha mulher é mais Brasil, eu sou mais Estados Unidos.
Prefere férias de cidade?
Praia. Gosto da Califórnia e da Florida. Os meus filhos também gostam mais do Brasil, como a minha mulher, porque os resorts lhes dão mais liberdade. Mas se formos para os Estados Unidos e eu lhes prometer que no meio das férias há dois ou três dias de Disneyworld ou de Universal Studios, eles querem ir.
Tem saudades de viver em Portugal?
Não.
Gostou de ver a selecção no Mundial?
Diverti-me. Acho que chegar à meia-final de um Mundial é sempre um feito.
Scolari surpreendeu-o?
Não.
Acha que teria feito melhor no lugar dele?
Teria feito diferente. Cada treinador, cada cabeça. Se perguntar a todos os outros treinadores portugueses, vão dizer-lhe o mesmo.
Scolari teria dado um bom seleccionador de Inglaterra?
Na minha opinião, o futebol inglês merece um seleccionador inglês. Da mesma forma que o futebol português merece um seleccionador português. Acho que a selecção é representativa de um país e que deve ser feita com cidadãos desse país. O que não significa que não respeite profissionais e que eu próprio não vá ser um seleccionador estrangeiro.
Ainda tem quatro anos de contrato pela frente. Falou abertamente que gostava de vir a ser seleccionador nacional. É um projecto para essa altura?
Para mais tarde. Se me perguntasse qual é que seria o meu final perfeito enquanto treinador, era treinar a selecção portuguesa num Europeu e num Mundial.
Quer experimentar, antes disso, o futebol italiano?
Há qualquer coisa que me atrai para o futebol italiano. Temos ideias diferentes do treino, da metodologia. Mas, fundamentalmente, sou apaixonado pelo futebol e quero estar no melhor futebol do mundo. Neste momento, Inglaterra tem o melhor campeonato, os melhores jogadores, os estádios estão cheios, há milhões e milhões de telespectadores no mundo a seguir os jogos. Podemos ter opiniões divergentes sobre a qualidade, a beleza, o estilo de jogo. Há quem prefira a liga espanhola ou italiana, mas enquanto fenómeno sócio-desportivo o campeonato inglês está a quilómetros de distância. Não há nada que me empurre para fora do Chelsea. Gosto do projecto, sinto-me parte do clube. Estou extremamente contente.
E regressar um dia ao campeonato português?
Não posso dizer nunca, mas duvido.
Não tem contas a acertar com o Benfica?
É um sentimento estranho.
Não sei se é benfiquista
ou, pelo menos, simpatizante.
Nem sou benfiquista nem anti-benfiquista. É um sentimento estranho. Olho para a minha etapa no Porto e acho que aproveitei ao máximo aquilo que o clube tinha para me dar e o Porto aproveitou ao máximo aquilo que eu tinha para lhe dar. Não pode haver sentimentos negativos.
Mas no caso do Porto houve sentimentos negativos
Sim, no caso do Porto houve
Já experimentou voltar à cidade do Porto?
Não, nunca mais voltei. Só para jogar. Cheguei, joguei e parti.
Não tem muita vontade de lá ir.
Até tenho.
Por prazer? Para passear?
Tenho lá amigos.
A sua relação com Pinto da Costa normalizou-se? A última vez que tinha falado com ele tinha sido na final com o Mónaco, em 2004.
E continua a ser a última.
Nunca mais trocaram palavras?
Não. Mas não me recordo de o senhor Pinto da Costa ter falado de mim de forma depreciativa e nunca falei dele de forma negativa. Foi o fim perfeito para todos: fomos campeões europeus.
A ferida já está sarada?
Não faço ideia. O que estou a tentar explicar é que, do ponto de vista meramente profissional, o meu último dia no Porto foi um dia de sonho para mim e para o clube. É o dia em que fomos campeões europeus. Com o Benfica, o sentimento é completamente oposto. Aquele Benfica não estava preparado para me ter a mim como treinador.
Agora dizem que são o maior clube do mundo. Não sei se a notícia chegou a Inglaterra.
Chegou. O que significa dizer-se que é o maior clube do mundo? Lá está. É o número de adeptos? É a capacidade financeira? São os títulos que se conquistam? O meu sentimento em relação ao Benfica é de
eu não diria frustração, porque a minha vida transformou-se tanto e consegui coisas tão boas, que não posso considerar que foi um período de frustração. Mas se eu tenho chegado ao Benfica de hoje, com o presidente e a credibilidade que tem hoje, com o saneamento económico que teve
Acha que teria possibilidades de fazer no Benfica o mesmo que fez no Porto?
Penso que sim. O Benfica tem hoje condições de trabalho, tem uma estrutura de clube importante, tem credibilidade e prestígio, parece ter estabilidade financeira. A única coisa que posso agradecer ao Benfica do meu tempo é terem-me escolhido, mas depois não tive um mínimo de condições para desenvolver o trabalho de acordo com a minha personalidade e as minhas exigências. Eu olho para o Benfica hoje e fico com um sabor amargo: porque é que eu não fui encontrar este Benfica, este presidente, esta estrutura que existe actualmente? Há um sentimento um pouco frustrante de ter estado num clube tão grande como o Benfica e nem eles terem tido capacidade para mim, nem eu ter tido, perante a conjuntura que encontrei, a capacidade de fazer aquilo que queria fazer. Estive lá dois ou três meses. E tudo acabou.
Qual é, neste momento, o melhor treinador em Portugal?
Não sei. Acho que é uma injustiça estar a dizer nomes.
O Porto teve grandes mexidas depois da sua saída. O que acha do trabalho de Jesualdo Ferreira?
Se contarmos com o Rui Barros, Jesualdo é o sexto treinador desde que eu saí. O Porto parece ter encontrado agora um rumo. Para já, foi campeão no ano passado e o treinador fez um bom trabalho. A equipa tinha características muito específicas e aquilo que mais prazer deve dar a um treinador é dizer: «Eu ganhei com a minha marca, com a minha filosofia». O Co Adriaanse fez um excelente trabalho. Este Porto do Jesualdo Ferreira é diferente. Ele está a tentar incutir as suas ideias e parece-me uma equipa boa, com bons jogadores, bem trabalhada, com competência suficiente para voltar a ser campeão. E para fazer coisas boas nas competições europeias.
Tem acompanhado o processo do Apito Dourado?
Não consigo acompanhar um processo que dura 100 anos.
Há um fundo de verdade no Apito Dourado?
Eu acho que a história dos árbitros é uma história interminável e só a tecnologia poderá melhorar as coisas. Não entendo como numa indústria tão forte como é o futebol, a tecnologia na arbitragem não existe. Ela reduz os erros e ao reduzir os erros, reduz a crítica e a suspeição. E reduz a responsabilidade dos árbitros. Uma coisa é um fiscal de linha decidir um jogo por um fora de jogo mal assinalado, outra coisa é a tecnologia substituir o fiscal de linha numa decisão crucial. A tecnologia no futebol é o fim de todos os Apitos Dourados que possam existir.
Tentou reaver o seu sobretudo Armani, mas parece que não conseguiu.
O Chelsea comprou-o. Está no museu do clube.
Era um amuleto
É o sobretudo campeão. A mim não me diz nada, mas a eles diz.
Como é que o recuperaram?
Foi a leilão e houve um indivíduo que o comprou. O dinheiro foi para uma instituição da qual eu sou patrono, a CLIC Sargent, de apoio a crianças com cancro e às suas famílias. Depois o Chelsea quis comprá-lo e o indivíduo doou-o ao museu.
Diz que não liga à imagem, mas tem uma colecção de novos sobretudos.
Tenho dois, um mais quente que o outro.
Porque é que trocou o Armani pelo Ermenegildo Zegna?
Deixei o Armani porque o Zegna paga mais (risos).
Agora o sobretudo até vem com o seu nome na gola.
Da mesma maneira que um jogador está no campo e tem de ter umas botas que lhe assentem perfeitamente, tenho de me sentir bem. Não gosto de sentir frio e também não gosto de sentir calor.
E a estética não entra aí?
Entra da mesma maneira de que se eu for ali à rua. Não vou calçar umas meias amarelas com umas calças cor-de-rosa. Há um mínimo de cuidado. O fato que eu visto é do Chelsea e com o sobretudo tento sentir-me bem. Gosto que seja largo e tem de ter bolsos, porque há canetas e blocos.
Já viu pessoas na rua com sobretudos iguais?
Não há.
É exclusivo?
Com o nome, é. O casaco existe nas lojas.
E o cabelo? Recebeu ofertas de estilistas para lhe fazer um corte?
Vou ao cabeleireiro da minha mulher, que é um tipo porreiro. Quando ela vai, eu vou buscá-la e ele guarda uns minutinhos para mim e dá-me um toquezinho. Mas não ligo nada a isso. No Verão apeteceu-me ficar careca. Havia pessoas que diziam «ai que horrível», havia outras que diziam «ai que fantástico». Para mim é igual. Agora vai crescer e depois logo se vê.
É um homem rico.
O que é isso?
Não se considera rico?
Ganho muito dinheiro. Mais do que pensei que podia ganhar. Não tenho problemas financeiros, vivo como vivia há alguns anos. A minha vida não mudou.
Esta é a casa para onde veio morar desde início?
Não.
Já se mudaram?
Já. Penso no meu futuro e no futuro dos meus.
Tem feito investimentos fora do futebol?
Os meus investimentos são só a nível imobiliário. Tenho comprado casas e terrenos. Acho que a vida que tenho não me permite qualquer tipo de negócio paralelo.
Mas podia ter um gestor.
Não quero. Não acredito em gestores. Acredito mais na minha sensibilidade.
Tem medo que as coisas corram mal?
Tenho pessoas que me aconselham, em que eu acredito e que trabalham comigo no ramo imobiliário. Mas não sou um homem de negócios. Nem quero ser. Estou bem assim.
Tirando a questão do conforto que tem conseguido proporcionar à sua família, houve algum luxo que se tenha dado a si próprio?
Costumo dizer isto com cuidado: quando, antes de nós sermos quem somos no futebol, a nossa vida foi difícil, o primeiro impulso é termos aquilo que nunca conseguimos ter. Quando a nossa infância e adolescência foi boa, não sentimos isso. A minha vida hoje não é muito diferente da vida que eu tinha antes de ser quem sou no futebol.
Que carro é que tem?
Só tenho um carro meu, que comprei há uma data de anos e que não vendo, porque a minha filha adora-o, diz que quer ficar com ele quando fizer 18 anos. É um Volvo Cabrio antigo. Os outros carros são os que os patrocinadores me dão. Em Portugal tenho um Lexus, aqui tenho um Audi e agora vai haver qualquer coisa com a Porsche. Gosto de relógios. De vez em quando compro um relógio bocadinho melhor.
Faz colecção de relógios?
Não é propriamente uma colecção. Mas gosto. Quando compro um para mim, compro também um para a minha mulher, na perspectiva de, no futuro, um ser para a Tita e um para o Zuca.
Diz que gosta de viver sob pressão. Isso normalmente traz algum sofrimento. As pessoas sob pressão tendem a ser ansiosas.
Não sofro no futebol. É evidente que, quando a bola bate no poste e não entra, há alterações no batimento cardíaco que têm a ver com a própria natureza do jogo. Agora o sofrimento de desespero ou de ansiedade, não tenho.
Parece a quem está de fora que nunca está satisfeito com o que tem. Uma vitória é apenas um passo para a vitória que vem a seguir?
As vitórias acontecem num momento e fazem parte da história. E é o fim da nossa carreira ou a seguir há mais.
Tem medo de se sentir demasiado feliz?
Quero é mais. Uma coisa que chateia a minha mulher é eu acabar um jogo e ela pensar que por umas horas não há futebol, mas eu já estou a pensar no próximo.
Logo na hora?
Se chego a casa às seis da tarde, como faço depois de um jogo, brinco com os miúdos um bocado, vou jantar fora com a minha mulher e sou capaz de regressar a casa e ir preparar o treino para daí a dois dias ou formar a equipa que vai jogar.
Mesmo depois de uma vitória retumbante?
Sim, pode acontecer. Fiz um acordo com a minha mulher e consegui cumpri-lo: quando a época acaba, há um período em que eu trabalho, para depois haver um período em que ninguém me vai telefonar nem eu vou telefonar a ninguém. Porque, no fundo, o futebol é continuidade. Se calhar um dia vou pôr uma meia-dúzia de meses sabáticos.
Depois de 2010, imagino
Sim. Vou fazer qualquer coisa que nunca me permiti fazer. Não sei o que são férias de Inverno, ir com os filhos para a neve. Não sei o que é passar um Natal e um fim de ano em família. Há coisas que eu e a minha família não sabemos o que é.
Quer dizer que não tem tido tempo para ser feliz?
Em qualquer família há momentos que são inesquecíveis também pela negativa. São coisas que deixam a sua marca de forma eterna. Podemos todos ter um Natal muito feliz, mas a minha família não se esquece que perdemos a minha irmã há meia dúzia de anos atrás e o sobrinho da minha mulher há meia dúzia de meses. Isso não nos permite a felicidade total. Mas consegui mais do que eu podia ter sonhado. Sou uma pessoa que se pode dizer feliz. Não é uma derrota ou um campeonato perdido que vai fazer com que eu deixe de ser um homem feliz.
Vai passar o Natal em Londres?
Pela primeira vez desde que estou cá, vou passá-lo a Portugal. A minha família vai mais cedo e vem mais tarde. Eu vou a 23 e venho a 25. Tenho jogos.