ARQUIVO José Mourinho

«Eu não sou hipócrita»

O Expresso acompanhou uma mini-ronda de imprensa do treinador do Chelsea em Stanford Brigde com os principais jornais ingleses. A conversa foi tranquila e serviu para o Special One relembrar-lhes quem é, numa altura em que sofre a pressão de seguir em segundo lugar na Premiership, atrás do Manchester United. É uma antecipação colateral da entrevista concedida por José Mourinho em exclusivo ao Expresso, para ler na Única.

Stanford Brigde não é só o estádio que se vê na televisão durante os jogos. Nem é exactamente aquilo a que os portugueses estão habituados com os novos estádios do Benfica, do Sporting ou do Porto. O complexo do Chelsea Football Club inclui torres de edifícios integradas na nave principal e ainda dois hotéis.

Nas traseiras, a sala de imprensa onde acontecem as conferências depois dos jogos fica no rés-do-chão e cola com a área reservada à equipa de futebol. O encontro com os jornalistas dos jornais Times, Daily Telegraph, Daily Mail, Mirror e Sun foi marcado para sexta-feira, dia 1 de Dezembro (dois dias antes de uma crise de enxaqueca que o levou ao hospital), durante a manhã, e obedeceu a um plano cuidadoso do Chelsea.

A ideia do departamento de comunicação do clube era publicar os trabalhos apenas uma semana depois, antecipando o confronto do Chelsea com o Arsenal (no dia 10 de Dezembro e que acabaria num empate), para aumentar o apetite dos leitores sobre Mourinho.

A entrevista colectiva tinha, de resto, um objectivo oficial: apresentar o português como o novo patrono da SIC Sargent, uma associação de solidariedade com ligações ao clube e que é a maior do género em Inglaterra a dar apoio a crianças com cancro.

A sala estava vazia. A um canto havia uma mesa com bolos e salgados.

Pouco antes da mini-ronda de imprensa ter início, uma criança a quem tiraram um tumor no cérebro era filmada para o canal de cabo Chelsea TV, ao lado do pai, que contou como a ajuda financeira da CLIC Sargent permitiu um tratamento mais eficaz do filho (e muito mais caro). Mas não era disso que os jornalistas queriam falar. Juntaram as cadeiras à volta de José Mourinho (incluindo o Expresso) e ligaram os gravadores. O que se segue é um pequeno excerto dessa conversa feita a várias mãos.

Acha que pode estourar?
Não. O futebol não me faz mais velho. Não há uma relação entre o futebol e os meus cabelos brancos. Eu adoro futebol. O que preciso é tirar uma folga de vez em quando. Para mim é suficiente. Gosto da minha vida e também dos grandes jogos. A única coisa de que não gosto é da hora que antecede os jogos, quando não tenho nada para fazer.

Costuma ter problemas de saúde, de coração?
Nunca se pode dizer nunca. Pode ser que no próximo jogo eu tenha um problema cardíaco. Não me parece que o futebol me venha a matar, mas nunca se sabe. Talvez um dia um árbitro me mate. É a única coisa que, na verdade, me faz perder as estribeiras.

Porque é que falou em ir-se embora do Chelsea no final da época passada?
Estava um pouco farto de certas coisas. O clube perfeito não existe, nem a competição perfeita ou o treinador perfeito. Eu também tenho defeitos. O projecto do Chelsea é muito exigente mas, ao mesmo tempo, sedutor. Os meus defeitos passam por eu não ligar à minha imagem. Eu não quero saber quais são as consequências do que eu digo ou faço. Ter alguma dose de hipocrisia é uma grande qualidade no futebol. Eu não sou hipócrita. De todo.

Seria melhor treinador se fosse hipócrita?
Sim, porque me preocuparia e protegeria a minha imagem. Controlaria o meu discurso e não diria sempre o que penso, porque às vezes arranjo problemas. Em vez de ser um treinador que muita gente adora e muita gente odeia, seria um treinador que toda a gente adora.

Usa as conferências de imprensa para mandar mensagens aos adversários, à sua equipa ou ao árbitro?
Isso é normal. É possível passar algumas mensagens durante as conferências de imprensa antes e depois dos jogos. Não influencio directamente o jogo mas, por exemplo, quando eu digo antes do encontro com o Manchester United que vamos lá para ganhar e regressamos a casa com a mesma diferença de pontos, isso é positivo. No fim do jogo eles (Manchester) sabiam que o resultado não lhes foi favorável e nós sabíamos que foi bom para o Chelsea.

Gosta de relembrar essas mensagens ao Manchester United?
Sim – e eles tentam fazer o mesmo. A minha influência em sir Alex (Ferguson) é zero. Eu faço isso para aliviar a pressão sobre os meus jogadores e os adeptos poderem celebrar um empate, porque sabem que estamos a pensar no médio prazo e que aquele resultado é bom para nós. Comunico para toda a gente.