ARQUIVO José Mourinho

"Estou cada vez menos com os meus adjuntos"

Sente-se muito popular?
Sinto-me demasiado popular em Londres.

O jornal A Bola avaliou o número de vezes que tem saído na imprensa inglesa e concluiu que está tecnicamente empatado com Tony Blair. Tem ideia dessa dimensão?
Tenho ideia de que o que mais queria para a minha vida, quando eu saísse do meu trabalho e chegasse à rua, era ser uma pessoa igual às outras – e não sou.

Costuma andar a pé na rua?
Há coisas de que não posso abdicar.

E é muito abordado?
Sou abordado e incomodado. A maior parte das vezes com simpatia.

O que é que lhe dizem?
As mais variadas coisas. Estou, por exemplo, a jantar com a minha mulher ou nas compras com ela ou a brincar com os meus filhos na rua e dizem-me: "Peço mil e uma desculpas por interromper". E acrescentam: "Mas queria isto ou aquilo". E eu digo sempre: "Peço mil e uma desculpas por interromper, mas já interrompestes". Tento reagir com a maior educação possível. É uma abordagem que eu guardo sempre na memória, porque não é muito ofensiva. Antes pelo contrário, é extremamente educada. Mas quando estou com a minha mulher e os meus filhos, quero ser só deles e não consigo.

Não lhe dão conselhos?
Em Inglaterra as pessoas são muito correctas. E eu também não dou tempo, porque fujo. Fujo o mais que posso. Tenho uma filosofia muito própria: quando estou com o emblema do Chelsea ao peito, tenho de estar disponível para tudo e para todos. Se acabo um treino ou vou para um jogo – ou se estou num hotel em estágio, em representação do clube – sinto uma obrigação tremenda de dar resposta a todo o tipo de solicitações. Principalmente de crianças. Sou incapaz de dizer não. Mas quando estou fora do trabalho, com os meus, aí sinto que a minha vida não tem retorno.

Como compara Londres com o Porto?
No Porto era uma estrela, mas se fosse a Lisboa era insultado. Aqui nem pensar. A coisa mais corriqueira do mundo é alguém vir na rua e apresentar-se como um superadepto do Arsenal ou do West Ham e falar comigo com uma correcção e uma estima fantásticas. Em Portugal somos muito mais emocionais. Não conseguimos separar o cidadão do trabalho.

E as mulheres não o assediam muito?
Não. Nem muito nem pouco.

Tem fama de ser muito admirado pelo público feminino. Não costuma ter «feed back» desse lado?
Não. A maneira como se me dirigem é igual: mulheres, homens, crianças. Fotografia, autógrafo. Há uma coisa que os meus filhos me disseram e que me ficou marcada. Fomos uma vez à EuroDisney e disseram-me: «Contigo nunca mais».

Não se divertiram?
Não. São coisas que a nossa vida perde e de que as pessoas não se apercebem muito bem. É uma perda sem retorno. Se eu hoje deixasse o futebol, a minha vida social já não se ia modificar para melhor. Não há volta a dar.

Já conhece bem Londres?
Conheço. Moro no centro da cidade.

Faz vida de bairro?
Faço. A escola dos miúdos é aqui perto.

Consegue ir às compras?
Sim, sendo incomodado… É evidente que tentamos ter o nosso espaço. Temos um local fora de Londres onde vamos de fim-de-semana e onde estamos mais tranquilos. Mas não posso abdicar de ir ao cinema ou de ir buscar os meus filhos à escola e de vir a brincar com eles na rua, de trotinete ou de «skate».

Vai buscá-los a pé?
Quando o tempo o permite, vou.

E jantares românticos com a mulher?
Consigo tê-los, mas sou capaz de estar com o garfo na boca ou a meio de uma conversa importante que queremos ter a dois e de repente não é a dois — é a três. Alguém interrompe e pede para tirar uma fotografia, para o filho ou para o neto. A minha mulher, como educadora dos nossos filhos, tem um trabalho árduo, que é prepará-los para a vida que têm. A culpa é minha — devido à dimensão que eu atingi na minha profissão — mas é a vida que temos.

Os seus filhos estão a gostar do ambiente e da escola?
Eles gostam de Londres.

Já têm muitos amigos ingleses?
Sim. E já falam fluentemente inglês. Ela, além de falar, escreve. É completamente bilingue. Tem dez anos e está no quinto ano. Ele está na primeira classe.

A sua mulher deve estar feliz por lhes poder proporcionar uma educação melhor do que aquela poderiam ter em Portugal.
Não digo que a formação seja melhor. A minha mulher era uma apaixonada pelo plano de vida que nós tínhamos no Porto. Ela adorou viver lá. E os miúdos também. A escola onde eles andavam, o colégio Luso-inglês, era absolutamente fantástica. Serviu-lhes como uma base muito importante para virem para cá. A adaptação foi fácil, arranjar amigos também. Eles sentem-se bem. Estão felizes.

No início, quando veio para Londres, a sua vida social circulava muito à volta dos seus técnicos adjuntos portugueses.
Com os meus adjuntos estou cada vez menos. Eles moram todos praticamente juntos, longe de mim. Já têm as suas famílias. Estão muito mais independentes e perfeitamente adaptados. Estou contente com isso. Nós continuamos, obviamente, a ter a mesma boa relação que tínhamos com eles, mas vivemos cá do outro lado da cidade e os miúdos fazem amigos na escola e isso é muito importante. Amanhã à tarde tenho um jogo marcado — quatro contra quatro.

Que jogo é esse?
Eu fico numa baliza, o segurança dos meus filhos noutra baliza, e jogam o meu filho e mais cinco amigos que vêm da escola de propósito. Sexta-feira à tarde é o dia de jogarmos.

E jogam onde?
Aqui na rua.

Acha necessário os seus filhos andarem com segurança privada?
Achamos que sim. Fomos aconselhados a isso não só cá como também em Portugal. Não gostamos que seja uma coisa muito visível e palpável, mas dá-nos tranquilidade.

E eles sentem-se confortáveis?
Sim, porque não é uma coisa muito presente. Sabemos o que está a ser feito, mas não com muita proximidade.

Dizia no outro dia que não jogava golfe, referindo-se ao «hobby» de Alex Ferguson (treinador do Manchester United, um dos principais rivais do Chelsea). Se não joga golfe, o que é que faz, então, em alternativa?
A família vem em primeiro lugar, o futebol em segundo e o que vem depois é para onde a minha família me arrasta. Sou arrastado no pouco tempo que tenho livre para aquilo que eles gostam de fazer. Mas vou contente.

O que é que o surpreendeu mais na vida em Londres?
Londres permite que num determinado momento eu diga assim: "Agora quero fazer isto". E em Londres faço. Se estiver em Setúbal, que é a cidade que eu mais adoro, e quiser ir ver um musical, não vou porque não há. Aqui vou onde quero e quando quero: jantar num restaurante chinês à meia-noite ou num restaurante italiano às duas da manhã. É só escolher. Eu não escolho muito porque a minha vida é a família e o futebol. Não preciso de muitas escolhas. Mas um cidadão comum com uma vida normal em Londres, é só estalar os dedos. Londres tem tudo.

Tem visto muitos musicais?
Já fui arrastado. Fui ver o «Rei Leão», porque os miúdos me arrastaram, e fui ver o «Mamma Mia», porque a minha mulher me arrastou.

E no cinema, tem ido às estreias?
Só fui uma vez. Fui à de The Incredibles.

Passou no tapete vermelho?
Passei. Mas já não passo mais. Isso não é para mim.

Sentiu-se deslocado?
Não é a minha vida. Há pessoas que pagam para ser famosas, eu pagava para não ser famoso.

Tem vizinhos famosos. Dá-se com eles?
Não me dou muito.

Eles não se metem consigo?
Não. Para mim há duas classes de famosos: os que são porque têm mérito e os que pagam para ser. Normalmente, os que têm mérito são uns gajos muito simples, com quem se pode jantar e conversar. Não têm vaidade absolutamente nenhuma. Estive várias vezes com o Brian Adams, que é uma superestrela, e parece que estava a jantar com um tipo qualquer. Encontro-me com o Robin Williams e com o pai dele no hotel em que fazemos estágios e estamos ali a conversar como se ele fosse um tipo absolutamente normal. Se transportarmos isso para o lado português acaba por ser a mesma coisa. No outro dia eu e a minha mulher estivemos a jantar com a Mariza, o Rui Veloso, o Carlos do Carmo, o João Gil. Não os conhecia, foi a primeira vez que estive com eles.

Convidaram-no para jantar?
Sim. São uns tipos porreiros e simpáticos. Ao fim de meia hora, dá para sentir uma empatia grande. Mas a vida, normalmente, afasta-me um bocado disso. 

E não o desafiam para ir à televisão inglesa?
Não vou. Têm-me convidado, mas não vou.

Nem a debates vai?
Não quero ir. Nunca fui.

Os outros treinadores não vão?
Alguns vão, mas eu não quero. Aquilo que faço, faço porque tenho de fazer. Vou às conferências de imprensa com o Chelsea porque tenho de ir. Vou às acções de promoção de «sponsors» porque é obrigatório, faz parte da minha contribuição para com o clube. E sou patrono de uma associação de caridade aqui em Londres e vou a coisas que sinto o dever de ir. Eu e a mulher somos parecidos – se calhar por isso é que somos casados. A minha mulher é uma mulher de classe.

Os paparazzi não vos chateiam?
Também são uns gajos porreiros. Temos pactos com eles: à porta de casa não, não quero que saibam onde moro; com os meus filhos de uniforme escolar não, não quero que saibam em que escola andam. Já a passear com a minha mulher na rua, se eu não quiser aparecer não vou.

E eles cumprem com as regras?
Cumprem. Mas chateiam. Um tipo vai a sair de uma loja e pum.

Para onde têm ido de férias?
Fazemos o nosso Algarve mas saímos sempre para outros lados. O nosso Algarve acaba por ser familiar. O meu pai é de lá, a casa que comprámos é num sítio onde vamos passar férias desde que somos crianças. Temos amigos desde essa altura. É o que eu chamo o Algarve escondido, mais selvagem. É dos poucos sítios onde se pode estar. Depois, procuramos países estrangeiros onde possamos encontrar a tranquilidade que não temos na Europa.

Onde não haja futebol…
No Brasil, nalguns locais, é bom. Nos Estados Unidos também. Procuramos destinos que nos dêem espaço. Nos Estados Unidos, só se tivermos o azar de encontrar algum europeu ou latino-americano.

Quem é que escolhe o local?
Tentamos chegar a um acordo. A minha mulher é mais Brasil, eu sou mais Estados Unidos.

Prefere férias de cidade?
Praia. Gosto da Califórnia e da Florida. Os meus filhos também gostam mais do Brasil, como a minha mulher, porque os resorts lhes dão mais liberdade. Mas se formos para os Estados Unidos e eu lhes prometer que no meio das férias há dois ou três dias de Disneyworld ou de Universal Studios, eles querem ir.

Tem saudades de viver em Portugal?
Não.