No mesmo dia em que se soube que Jafar Panahi, cineasta iraniano convidado por Berlim para um debate sobre a liberdade de expressão, foi impedido de viajar pelas autoridades do seu país, Rafi Pitts, iraniano instalado há longos anos em França, apresentou "The Hunter" na Alemanha.
É a sua quinta longa-metragem. Pitts realizou em 2003 um documentário genial sobre Abel Ferrara para a série "Cinéastes de Notre Temps": "Abel Ferrara: Not Guilty." Em 2006, competiu em Berlim com "It's Winter", drama sombrio, belo de ir às lágrimas, sobre o regresso de um homem à família e à aldeia que ele abandonou.
O exílio é um assunto constante no trabalho de Pitts. Com "The Hunter", esse exílio é levado ao extremo. Tem sede de revoluções.
Ódio com ódio se paga
Rafi é também o actor protagonista. A personagem chama-se Ali. É operário numa fábrica de automóveis e perde a mulher e a filha menor, baleadas acidentalmente durante os protestos das últimas eleições. As mesmas que deram vitória presidencial polémica a Mahmoud Ahmadinejad.
E este Irão de Pitts, suburbano e grafitado, filmado antes das eleições, é verde tal como a cor da oposição a Ahmadinejad. As paredes da casa de Ali são verdes. E é verde o seu automóvel. O filme nada tem que ver com a imagem de marca contemplativa e simbólica que a cinematografia impôs no Ocidente. Fala de um presente, aqui e agora. De um país urbano-depressivo, cru e duro, nos arrabaldes de uma cidade gigantesca, Teerão.
Diz-se que o verde é a cor da esperança. Só que Ali, perante uma perda que não compreende, explode de raiva. Uma raiva surda, desesperada e atonal. E a partir de um certo momento, é em vermelho-sangue que o verde se transforma. Ali é caçador: abate dois polícias numa auto-estrada. Resposta directa, sem perdão e sem remorsos. "The Hunter" é a tragédia persa menos metafórica da história do cinema.
Fuga
Nesta altura o filme já nos conquistou mas o melhor está para vir, com uma caça ao homem, admiravelmente filmada. Ali é um cop-killer: se for apanhado, nada o salvará da execução. Consegue fugir para uma floresta. É interceptado pelos dois polícias que o perseguem. Mas a floresta é densa e o trio perde-se nela durante essa noite. Refugiam-se numa cabana abandonada.
É nesse momento que o filme opera um twist, totalmente inesperado: pelos olhos de Ali, algemado, descobrimos dois polícias que se odeiam. Estão prestes a aniquilar-se. Ali, de certa forma, já está morto. E o discurso passa para o outro lado, para a história sórdida dos dois polícias, um contracampo em que reina o absurdo: não é possível falar-se em justiça quando a lei está corrupta desde o seu interior. Sublime.
The Hunter (Alemanha/Irão)
de Rafi Pitts
(Selecção Oficial - Competição)
Mais informações no site oficial do Festival de Cinema de Berlim 2010.