ARQUIVO Berlim 2010

O homem da maratona

" The Robber", thriller germano-austríaco de Benjamin Heisenberg, pode ter uma palavra a dizer no palmarés. Clique para visitar os Postais Berlim 2010
The Robber, filme a concurso em Berlim, joga em casa

Francisco Ferreira, enviado a Berlim (www.expresso.pt)

Este "homem da maratona" não tem nada que ver com o filme americano de Schlesinger mas o título fica-lhe bem. A maratona de "The Robber" é outra. Baseia-se num caso verídico, passado na Áustria, que fez correr muita tinta nos anos 1980. Traz-nos a história de Johann Rettenberger, ex-presidiário, homem misterioso, atleta de excepção. Vindo do nada após cumprir pena por assaltar bancos, ele consegue inscrever o seu nome na história, batendo o recorde nacional austríaco da maratona, contra todas as probabilidades. Baseado na sua vida, Martin Prinz escreveu uma novela agora adaptada para cinema por Benjamin Heisenberg, o mais jovem dos cineastas da nova vaga alemã.

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Distúrbio bipolar

Johann é uma personagem complexa. Apesar de herói na 'prova raínha', apesar de reatar relação com uma ex-namorada, o êxito social e a parte emocional não são capazes de travar a sua pulsão cleptomaníaca. E ele volta aos assaltos: sempre só, arma numa mão, saco na outra, máscara, luvas brancas. É tudo clínico nestes assaltos. Ele não rouba propriamente por estar na miséria, antes pela adrenalina do acto de roubar. Calculista e rapidíssimo, não perde muito tempo. E depois corre. E ninguém o apanha. Os bancos assaltados são já tantos que ele começa a tornar-se um embaraço para a polícia austríaca.

Género

Um herdeiro de Jean-Pierre Melville aparecido 50 anos depois? Houve quem falasse nisso aqui em Berlim. Percebe-se a aproximação: thriller seco e sombrio, ritmo a velocidade constante, direcção de actores anti-psicológica, narrativa conduzida pelo 'estritamente essencial' e, sobretudo, uma personagem instintiva, introvertida - Johann é uma 'folha em branco', uma grande performance do actor Andreas Lust.

Energia

Preferimos salientar que há em "The Robber" uma energia cinética contagiante, nas cenas vertiginosas em que a câmara acompanha as fugas de Johann, da cidade para as florestas que envolvem Viena, como se ele fosse um animal selvagem a tentar voltar ao meio natural. De resto, nas últimas sequências (quando a 'caça ao homem' já foi lançada), Johann é muito mais um herói de film noir americano que de um policial europeu.

Mas, antes de tudo, Johann é um corpo físico em movimento. Uma grande personagem de acção. Quase lhe podemos sentir o pulso, como ao Matt Damon em "The Bourne Ultimatum". "The Robber" mostra-nos um trabalho cinematográfico apurado e de elevada dificuldade técnica. A ter em conta.

Outras prisões (1)

Não sabemos se é coincidência ou dedo dos programadores de Berlim, mas são já vários os filmes a concurso que se passam em prisões, com gente que de lá saiu, ou que para lá vai parar, etc.

If I Want to Whistle, I Whistle
Exibido há dois dias, "If I Want to Whistle, I Whistle", representação romena na Competição, é um desses casos.

No novo cinema romeno, que tem emergido nos últimos anos e conquistado espaço e prémios nos festivais internacionais, as ficções tendem a tornar-se documentos e a cartografar a dimensão real de um país ainda à procura de uma identidade própria depois do colapso do Bloco de Leste.

Os filmes de Corneliu Porumboiu ("12:08 A Este de Bucareste" e o magnífico "Police, Adjective"), para nós, e de longe, o melhor cineasta desta vaga, são disso exemplo. Tal como o é "A Morte do Sr. Lazarescu." O espírito geral da cinematografia é corporativo e socialista. O Sr. Lazarescu (para quem viu o filme) representava todos os Lazarescus da Roménia actual.

É também este o caso de "If I Want to Whistle..."? Não. O jovem protagonista do filme, preso num campo de reabilitação para iniciados ao crime, chama-se Silvio (George Pistereanu), está prestes a ser solto, mas 'assobia' sozinho.

Revoltado contra a família, o regresso da mãe, toda uma burocracia social que o mantém cativo, Silvio é uma 'figura real' que o filme ficciona, individualiza e mais tarde vitimiza, em gesto oposto ao dos filmes de Porumboiu. Note-se o nome do realizador, Florin Serban. Mostrou em Berlim a sua primeira obra.

Outras prisões (2)

Submarino
"Submarino", filme medonho do dinamarquês Thomas Vinterberg, é feito de chumbo. Nunca vem à tona. Vinterberg lá faz o que pode para mergulhar em águas profundas: o drama em família, o trauma de infância, a ausência paterna. Há dois irmãos 'debaixo de água.' O primeiro é ex-recluso. O segundo é junkie. Crianças pelo meio e memórias de quando os irmãos eram crianças. Procuram sobreviver à tragédia que os uniu na infância quando assistiram à morte de um terceiro irmão, ainda bébé, por negligência da mãe, que era alcoólica. Já chega?

Não. As personagens de Vinterberg são sempre uns desgraçados, uns condenados à partida, uns pseudo-punks de cartão em espaços cercados e sórdidos. É tudo por causa do 'sistema' - deve ser do capitalismo. Não há paciência para o discurso. Nem para este sub-Lars von Trier. Aliás, Lars, pelo menos, leva as coisas até ao extremo e ao fim. Vinterberg é mais melancólico. Fica na epiderme do problema. Nem insuportável consegue ser. Será que Herzog, presidente do Júri, também ficou enjoado?

The Robber (Alemanha/Áustria) de Benjamin Heisenberg (Selecção Oficial - Competição)

If I Want to Whistle, I Whistle (Roménia) de Florin Serban (Selecção Oficial - Competição)

Submarino (Dinamarca) de Thomas Vinterberg (Selecção Oficial - Competição)

Para mais informações consulte o site oficial do Festival de Cinema de Berlim 2010