Que quando todos fugirem ao nosso toque leproso, haverá um irmão, ou uma filha, ou, se tivermos sorte, ainda uma mãe ou um pai que nos lavarão as chagas ignorando o cheiro dos nossos corpos e impedindo que reabramos as feridas com as nossas próprias mãos. São ainda aqueles que puxámos para o interior da caravana sem abrandar o passo.
Se existisse um dicionário de relações familiares teria entradas assim:
Filhos: O que sai de dentro às mães e dos olhos aos pais. Camada que recobre o coração de forma permanente e indelével. Prolongamento de nós sendo outro. Razão mais que suficiente para renunciarmos à solidão humana.
Irmãos: Castigo inicial que se transforma em apoio lateral com os anos. Aquele ou aquela que estará do outro lado da linha telefónica ou do que vier a ser inventado a pedir ou a dar ajuda. Pelo menos até que a sua nova condição familiar o/a não consuma. Quem nos dá a certeza de que nem sempre fomos assim.
Pais: Aqueles que estavam quando ainda só eles estavam. Os que recuaram quando outros chegaram. Os que avançaram quando outros recuaram. Os que se esqueceram da idade e das dores à vista das nossas dores e sem olhar à nossa idade. Os que vão estar aqui até que, seguros pela nossa mão, deixem de o estar.
Amante/Amigo/Amiga/Homem/Mulher: Todo o que nos ama para lá das nossas perfeições. O elo mais frágil da cadeia. Aquele em que nos apoiamos com mais força por ser do mesmo tamanho que nós e estar treinado no nosso passo de saltador de valas inundadas. O que pode mudar e quase sempre muda. O indispensável.
Dicionário de nomes famíliares
«Família» é tudo.O que vem de trás e ficará para a frente. A certeza de não estarmos com as raízes a apodrecer em água estéril.