ARQUIVO Natal Actual

Coração oposto ao mundo

Fernando Pessoa falava na família, pelo Natal, como «coração oposto ao mundo».

 Pode ter querido dizer várias coisas, entre elas que, então, a família não está em comunhão com o mundo. Mas, provavelmente, quis apenas dizer que a família, no Natal, procura um recato íntimo que a isola em relação ao mundo, numa espécie de casulo privativo, e a faz reviver um conjunto de situações muito especialmente ligado aos «beloved ones» que entretanto desapareceram. É certo que a família faz também outras coisas: por exemplo, empreende viagens, por vezes de longuíssima distância, procura reunir todos os elementos mais chegados ao seu núcleo mais coeso, actualiza um conjunto de tradições, memórias e rituais modulados pelo seu espaço próprio, arma presépios e luminárias, desvanece-se com os rebentos que lhe asseguram uma continuidade no futuro, contacta os parentes mais ou menos distantes bloqueando de todo as redes de telefones portáteis, exaspera-se com as despesas na aquisição de presentes, prepara a noite de consoada, vai à missa do Galo, diverte-se com a surpresa dos contemplados no sapatinho ou fora dele, enfim, faz a si mesma o favor de se supor, ou de se sentir, feliz. A família, no Natal, afirma-se como a célula-base da sociedade em termos festivos e ternurentos. Mas o mundo muda inexoravelmente: e também há famílias que abandonam os idosos em lares e hospitais, esquecem tudo o resto e tratam de ir mas é passar uns dias regalados de férias aos trópicos ou à neve, mesmo que seja a crédito.