"Aproximadamente dois mil trabalhadores (entre operários, empregados de escritório, técnicos especializados, etc., englobando homens e mulheres) da Sorefame, uma das maiores empresas nacionais do ramo da construção metalomecânica (...), encontram-se parados desde o meio-dia da última terça-feira". O motivo era de ordem salarial. Cautelosa, a notícia nunca utilizava a palavra greve, mas nem isso a livrou de ser proibida. O trabalho viria a ser retomado na sexta-feira, ainda a tempo de o jornal redigir uma segunda notícia. "Cerca das 9 horas da manhã de ontem regressaram às suas actividades os 2600 trabalhadores da Sorefame (...) cujos serviços se encontravam totalmente paralisados desde o meio-dia de terça-feira última". Esta segunda notícia voltou a levar uma cruz azul.
A edição de 19 de Janeiro de 1974 assinalava a passagem dos 40 anos da greve geral revolucionária de 18 de Janeiro de 1934. De novo prudente, preferia chamar -lhe "a revolta da Marinha Grande", mas o corte voltou a ser integral.
Ainda no âmbito dos assuntos de trabalho, a revisão do contrato colectivo dos metalúrgicos teve dois cortes. O sindicato do Porto reclamava, entre outras matérias, um "salário mínimo de 6000$00" e "um mês de subsídio de Natal e um mês e meio de subsídio de férias". Também a revisão salarial dos motoristas levou duas facadas. Entretanto, "o Serviço Nacional de Emprego fez distribuir aos seus funcionários uma circular advertindo-os de que podem incorrer em procedimento disciplinar, indo a sanção até à exoneração, caso continuem a verificar-se 'saídas de informações que depois são publicadas na imprensa diária, algumas até de carácter confidencial'". Não é difícil imaginar o destino desta breve... Dois dos editoriais foram manchados de azul. Um deles foi inteiro para a gaveta. "Quando, um dia, a política dos pequenos e mal guardados segredos acabar, haverá uma classe de indivíduos que terá de mudar de profissão. Os que vivem de e para a troca de informações supostamente confidenciais necessitarão de procurar, com urgência, outro emprego (...)
Toda essa gente, que viceja e prospera impunemente nos bastidores palacianos, será forçada a mostrar quem é e o que vale". Humberto Lopes escrevia mais um artigo de opinião sobre Angola, com um corte. "Bem, mas disto sabem os economistas, se é que realmente a cadeira faz parte do curso, no que temos imensas dúvidas, pois, paradoxalmente, os dois grandes economistas de que a nossa história política fala eram ambos formados em Direito!"
De Moçambique, vinham quatro notícias. As manifestações da comunidade branca da Beira e Vila Pery levaram três cortes. "As lojas fecharam em ambas as cidades e uma caravana de cerca de uma centena de carros partiu da Beira para Vila Pery". "Ontem já reinava calma em toda a cidade da Beira, sendo esperado o chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general Costa Gomes". Como título saiu um impagável "Anteontem em Moçambique". Igual número levou a digressão europeia de Joana Simeão, uma dissidente da Frelimo, que manifestou a esperança de que "o panorama social, económico e político continue a evoluir. Dentro da legalidade. Mas que evolua". Na capa, vinha o abandono forçado de caçadores-guias, que levou um golpe. "As empresas moçambicanas que se entregam ao turismo cinegético têm sido obrigadas pela guerrilha a reduzir a sua actividade, motivo porque aqueles caçadores-guias partiram para outro ponto do Continente".
O aumento do preço da gasolina, que na semana anterior fora a manchete, desta feita foi proibido. No miolo, um trabalho sobre a mesma matéria levou dois golpes. O título passou de "A subida continua" para "Preços: a subida". E na abertura foi riscada a expressão "numa escalada imparável", que caracterizava o aumento dos preços.
A regra confirmou-se: o julgamento do padre Mário de Oliveira voltou a ser golpeado. Na retoma do ano lectivo, a crise académica agudizou-se. No ISPA, "o início das aulas foi marcado por processos disciplinares instituídos a cinco alunos, de que resultou a suspensão destes por um período de dois anos". O resultado foi "um movimento de protesto que se traduziu durante o primeiro período por ausência às aulas". Nada saiu. Uma outra notícia sobre a crise levou dois cortes. Uma reunião de alunos do ensino secundário, realizada na Faculdade de Medicina de Lisboa, foi "considerada ilegal pelas autoridades escolares e policiais. Os alunos, de idades compreendidas entre os 13 e os 19 anos, foram detidos pela PSP e transportados ao Governo Civil, onde foram identificados e revistos". Ao todo, eram 151. A notícia não diz, mas um deles chamava-se Henrique Monteiro e é o director do Expresso.
JORGE JARDIM
Acerca de uma nova fábrica em Moçambique, o currículo de Jorge Jardim foi corrigido por duas vezes. Assim, nem pertenceu a um governo "de Salazar", nem foi "promotor dos concursos de miss Moçambique e Portugal"
CAXIASA prisão de Saldanha Sanches e Maria José Morgado levou quatro cortes. Em dois casos, dizia-se que estavam detidos "em Caxias".
Dificuldades de sobrevivência
"Dois jovens a quem faltavam cumprir seis anos e seis meses de prisão maior e que se tinham evadido o mês passado da prisão Escola de Leiria, apresentaram-se, voluntariamente, no Governo Civil de Lisboa. Segundo o auto de notícia presente no Governo Civil, os dois jovens decidiram entregar-se às autoridades por se considerarem 'atrapalhados com as dificuldades' de sobrevivência que encontraram cá fora". A notícia foi proibida.