Cultura

Romance "O Plantador de Abóboras" do timorense Luís Cardoso vence prémio Oceanos 2021

É a primeira vez que um autor de Timor-Leste vence o Prémio Oceanos, uma das distinções literárias mais importantes entre os países de língua portuguesa. Luís Cardoso revela que as abóboras são uma metáfora sobre o seu país, que precisa plantar uma alternativa de riqueza sustentável à exploração de petróleo

O escritor timorense Luís Cardoso
Daniel Rocha

O romance “O Plantador de Abóboras” do escritor timorense Luís Cardoso, publicado em Portugal pela editora Abismo, venceu, esta quarta-feira, o Prémio Oceanos 2021, organizado no Brasil e que destaca anualmente as melhores obras publicadas em língua portuguesa.

É a primeira vez que um autor de Timor-Leste vence o prémio. A escolha foi anunciada numa cerimónia virtual pelo autor brasileiro Itamar Vieira Junior, que fez parte do júri que escolheu os três vencedores deste ano.

“Este é um romance em que deixa muitas impressões em seus leitores. A primeira impressão está no poder da linguagem, e de nos lembrar que a língua portuguesa permanece viva e que ela ganhou densidade e profundidade em cada fração de terra onde é falada”, explicou Vieira Júnior.

Num vídeo exibido durante a divulgação da distinção, o escritor Luís Cardoso explicou que vive em Portugal, que nunca mais regressou ao seu país, mas contou que visitou Timor-Leste em 2001 com José Saramago e, enquanto estava lá, visitou um local que conhecia, que estava em ruínas por causa da crise que assolou o país, e lá conheceu uma mulher que inspirou o romance.

“Enquanto estava lá passou junto de mim uma senhora que começou a falar da história de Timor, e que começou a contar a sua própria história (…) Ela estava ali para falar com as montanhas, foi para ali contar uma história para as montanhas, mas, ao mesmo tempo, fui-me apercebendo que a história que ela estava a contar não era para as montanhas, mas era para mim”, explicou Cardoso.

“Ela estava a contar 100 anos da história do Timor-Leste, três guerras sucessivas e, desde aquele dia, pus na minha cabeça que um dia havia de contar esta história num romance com uma voz feminina”, acrescentou o vencedor do Oceanos 2021.

Cardoso também explicou que o romance “O Plantador de Abóboras” traz esta voz feminina de uma mulher que recebe o noivo que não vê durante 24 anos, durante a ocupação indonésia de Timor, e depois regressa. Segundo o vencedor do Oceanos 2021, as abóboras mencionadas no título e no romance funcionam como uma metáfora sobre Timor-Leste, que ainda se sustenta da exploração de petróleo, mas precisa voltar a produzir e a plantar uma alternativa de riqueza sustentável.

"Para mim, é uma alegria enorme [ser vencedor do prémio] e creio que para Timor-Leste também", afirmou à agência Lusa o escritor.

"Temos literatura oral, mas não temos uma literatura escrita em Timor e a literatura escrita está a começar e eu estou a dar o pontapé de saída", acrescentou Luís Cardoso, para quem o prémio "ajuda a dar visibilidade" ao romance timorense, de que é pioneiro.

O escritor dedicou o Prémio Oceanos 2021 ao seu editor, João Paulo Cotrim, que se encontra internado nos cuidados intensivos hospitalares com covid-19.

Ainda sem data de publicação, Luís Cardoso afirmou que está a pensar no seu próximo romance, de novo sobre Timor-Leste, à semelhança de "O Plantador de Abóboras", que retrata, a partir da perspetiva de uma personagem feminina, três períodos distintos da história timorense.

"O plantador de abóboras (sonata para uma neblina)", publicado pela Abysmo, é o sexto romance de Luís Cardoso que o recoloca em Timor-Leste depois do referendo que ditou a independência. Ao longo de 180 páginas o seu autor escreve sobre um mundo que "pode ser como uma abóbora".

Outros prémios

O segundo lugar do Oceanos ficou com o romance “O Ausente”, do escritor e professor brasileiro Edmilson de Almeida Ferreira. “De acordo com o júri final do prémio Oceanos, este é um livro que rompe as fronteiras entre a prosa e a poesia, resultado de um grande trabalho com a linguagem e com a inúmera possibilidade de subvertê-la”, destacou Manuel da Costa Pinto, jornalista e curador do prémio Oceanos.

O terceiro lugar ficou com o romance “O Osso do Meio” do autor português Gonçalo M. Tavares, que já havia vencido o prémio em duas ocasiões, em 2007, com o romance “Jerusalém” e, em 2011, com “Uma Viagem à Índia”.

Falando sobre “O Osso do Meio”, a crítica literária e jornalista portuguesa Isabel Lucas explicou que a romance traz um texto duro, de muita contenção. “É um romance em que a partir da margem, do terror, põe o leitor numa posição de fragilidade mostrando um lado divergente daquilo que entendemos como humano”, destacou.

Já Gonçalo M. Tavares explicou também num vídeo exibido durante a divulgação dos vencedores do prémio que "O Osso do Meio" é um "livro sobre a questão da ressaca individual que fica sempre depois dos grandes acontecimentos violentos".

O Oceanos tem coordenação geral da gestora cultural Selma Caetano, curadoria para os países africanos de língua portuguesa de Matilde Santos, curadora da Biblioteca Nacional de Cabo Verde; Manuel da Costa Pinto, para o Brasil, e de Isabel Lucas, para Portugal.

Na primeira etapa, um júri inicial, composto por 95 professores de literatura, críticos literários, escritores e poetas, leu e avaliou os 1.835 livros inscritos, publicados em dez países, para escolher os semifinalistas. Desse conjunto de 54 livros foram escolhidos os dez finalistas.

Participam no júri final a angolana Ana Paula Tavares, os brasileiros Itamar Vieira Junior, Julián Fuks, Maria Esther Maciel e Veronica Stigger, e os portugueses António Guerreiro e Golgona Anghel.

O valor total do prémio é de 250 mil reais (39,5 mil euros), sendo 120 mil reais (19 mil euros) para o primeiro colocado, 80 mil reais (12,6 mil euros) para o segundo e 50 mil reais (7,9 mil euros) para o terceiro.

O Oceanos conta com apoio da Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo do Brasil, do Banco Itaú, do Instituto Cultural Vale, da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas de Portugal, do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde, bem como com apoio institucional da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, para além do apoio e governança do Itaú Cultural.