O que é “Mank”, novo filme de David Fincher, se não um sonho acordado sobre Hollywood? Ou será um ensaio, polémico como se esperava, sobre o meio em que os sonhos se fabricam? A realidade, e disso não restam dúvidas após o visionamento, sonhou-a Fincher também nas gamas daquele preto e branco que apela à idade dourada do cinema americano dos anos 30 e 40, refletindo o que se fez ontem no que é tecnicamente possível apresentar hoje num ecrã caseiro com Netflix.
“Mank” é um filme disposto a abrir a caixa de Pandora de um maiores mitos daquela era. Aquele que, em certa medida — e embora dispense apresentações —, permanece o mais secreto dos filmes: “O Mundo a Seus Pés” (“Citizen Kane”, título em inglês, de 1941), obra-prima de Orson Welles. É uma história longa e complicada de desenlear. Favorece imensamente os espectadores que já ultrapassaram o “no trespassing” do portão de Xanadu, o castelo fantástico de Charles Foster Kane. Tanto assim é que, aos ‘felizardos’ que não fazem ideia do que Xanadu significa, muito se recomenda que vejam “Citizen Kane” pela primeira vez (e o choque tremendo dessa descoberta mantém-se intacto hoje como há 80 anos) antes de entrarem em “Mank”, sob pena de ficarem pelo caminho, isto na melhor das hipóteses.