Uma biografia crítica de Ryszard Kapuściński (1932-2007), de que há tradução portuguesa, levantou sérias dúvidas de facto sobre os livros de reportagem do polaco, um dos mais famosos jornalistas contemporâneos. Apontou-lhes imprecisões, discrepâncias, alegorias, liberdades poéticas. Ninguém deixará de ler os extraordinários “Mais um Dia de Vida” (1976) ou “O Imperador” (1978) por causa dessas suspeitas, mas alguns preferirão agora lê-los como “ficção”. Curiosamente, o agora reeditado “Andanças com Heródoto” (2004) vem lembrar-nos de que o próprio Kapuściński estava bem consciente desses melindres histórico-jornalísticos.
Kapuściński ouviu falar pela primeira vez em Heródoto (c. 484. – 425 a.C.) em 1951, no curso de História da Universidade de Varsóvia. E é o grosso volume das “Histórias”, de Heródoto, que lhe oferecem quando o enviam, já como jornalista, à Índia. O jovem Ryszard tinha uma incontrolável vontade de atravessar fronteiras, de ver outros horizontes, mas a Índia deixa-o aturdido. Com o calor, os ajuntamentos, os mercados, a desigualdade, as divindades, não é apenas outro país que encontra, mas outro mundo. Além do mais, o repórter sabia pouquíssimo sobre aquela civilização, não falava nenhum idioma local e até o seu inglês era escasso. Como compreender, nessas condições, um país tão vasto e tão diverso? Bloqueado na Índia por mais uns tempos, devido à guerra do Suez, Kapuściński vai acumulando bibliografia, anda de um lado para a outro, toma notas, espanta-se com os crematórios ao ar livre nas margens do Ganges, é acolhido por engano no palácio de um rajá, colecciona experiências e sensações, mas sente-se irremediavelmente perdido.
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