O encenador Jorge Silva Melo recordou esta terça-feira Fernando Lemos como um "enorme artista" e um "homem cheio de invenções", comparando-o com o rei Midas, porque "tudo o que tocava se transformava em arte". Jorge Silva Melo realizou um documentário sobre a vida e obra do fotógrafo, artista plástico e designer gráfico Fernando Lemos, que morreu esta terça-feira, em São Paulo, Brasil, aos 93 anos, e tornaram-se amigos, como contou o realizador à agência Lusa.
"Era um homem livre, irrequieto, divertido cheio de um sentido de humor extraordinário. Adorei conhecê-lo", disse o realizador do filme "Fernando Lemos - Como, Não é Retrato?" (2017). O encenador contou que antes de começar a realizar o documentário, a atriz Glicínia Quartin (1924-2006), amiga de Fernando Lemos, lhe disse que se iam dar bem e que iam ficar amigos, porque era um homem "muito caloroso".
"Eu quase não o conhecia antes de ter filmado com ele, mas criámos uma relação de total confiança. Ele era maravilhoso", afirmou o encenador à Lusa, confessando que "gostou muito" de realizar o filme, que demorou oito anos a ser concluído. Um tempo que serviu para "conhecer a pessoa, a obra e de gostar de estar com ele", disse Jorge Silva Melo, contando que continuaram sempre a falar por carta.
"Tenho aqui ao meu lado uma carta dele, com uma caligrafia lindíssima e com uns poemas que ia escrevendo", afirmou, sublinhando que Fernando Lemos nunca parou de escrever poesia. "Todos os dias escrevia e todos os dias desenhava. Ele era extraordinário", reiterou o encenador, desejando que a sua poesia deixe agora de "ser uma coisa discreta", assim como a sua pintura. Isto porque Fernando Lemos, "um enorme artista", partiu para o Brasil muito cedo, com 27 anos, e "foi muito pouco conhecido em Portugal".
"Sabia-se que existia, conheciam-se uns poemas que tinham tido prefácio de Jorge de Sena, mas poucos, sabia-se de umas pinturas, mas poucas. Só há pouco tempo, nos últimos 20 anos, é que a sua obra, sobretudo fotográfica, começou a ser conhecida entre nós e é extraordinária é o grande retrato de Portugal dos anos 50", salientou o realizador e encenador, diretor e fundador da companhia Artistas Unidos.
Descrevendo a personalidade de Fernando Lemos, Jorge Silva Melo afirmou que "era um homem livre, cheio de atividades, cheio de calor, de ternura, de ferocidade, também, de humor. Exerceu tudo o que quis". "Também foi um homem feliz, namorou, teve filhos, viveu no Brasil, onde queria, porque era um país novo, e onde participou ativamente na vida cultural", lembrou.
Apesar de andar em cadeira de rodas, devido a uma paralisia, Fernando Lemos vinha agora "muito regularmente" a Portugal. "Ainda há pouco tempo estivemos com ele numa grande exposição do MUDE [Museu do Design e da Moda, na Cordoaria Nacional] da sua parte gráfica, que é uma parte pouco conhecida em Portugal, claro, porque muitas das suas obras de arte pública foram feitas no Brasil, sobretudo em São Paulo". "Era um homem cheio de invenções, era o rei Midas, tudo o que tocava transformava em arte", rematou Jorge Silva Melo.
No documentário de Jorge Silva Melo, Fernando Lemos afirma: "Fui estudante, serralheiro, marceneiro, estofador, impressor de litografia, desenhador, publicitário, professor, pintor, fotógrafo, tocador de gaita, emigrante, exilado, diretor de museu, assessor de ministros, pesquisador, jornalista, poeta, júri de concursos, conselheiro de pinacotecas, comissário de eventos internacionais, designer de feiras industriais, cenógrafo, pai de filhos, bolseiro, e tenho duas pátrias - uma que me fez e outra que ajudo a fazer. Como se vê, sou mais um português à procura de coisa melhor".