Leitora acérrima de Camilo Castelo Branco, Agustina focara-se em amores funestos, nas mulheres virgens e inalcançáveis e nos homens sombrios e egoístas que as observam, seguindo dois amigos que existiram de facto no século XIX, José Augusto Pinto de Magalhães e o próprio Camilo, e que, a uma dada altura, amaram de formas desiguais a mesma mulher, descendente de um militar inglês, Fanny. Nunca ninguém soube porque é que o primeiro, que com ela casou, jamais quis consumar o casamento. E esta era uma matéria oliveiriana por excelência: “Fanny Owen” está na origem do filme que encerra na obra do cineasta a chamada “tetralogia dos amores frustrados”.
Obra-prima incontornável de Oliveira, “Francisca” não é apenas a história de um triângulo infernal devorado por uma aliança de morte: é também o filme que sela o início da mais fecunda - e a espaços tumultuosa - relação profissional das artes e letras portuguesas dos últimos quarenta anos, com o seu apogeu na década de 90. Em 2009, numa das várias entrevistas a Oliveira publicadas no Expresso, o cineasta contou-me como Agustina o ajudou a moldar tantas figuras femininas no seu cinema: “A conceção que ela tem da mulher, embora um pouco enigmática - e por vezes absurda -, é muito penetrante. Valoriza a mulher ao extremo. É que a Agustina é uma escritora vulcânica. Aquilo vem lá dos confins da Terra e da memória.”
Foi Oliveira, durante uma viagem a França, quem propôs a Agustina atualizar a Bovary de Flaubert pela sua pluma (feminina) nos ambientes durienses que ela conhecia melhor que ninguém, esperando o tempo que fosse necessário até ela o terminar. E assim foi. Esse livro, denso e sublime, quase sem diálogos, escreveu-o Agustina, sabendo que Oliveira o iria em seguida adaptar, até violar: mas nunca esta relação de trabalho 'à distância' seria tão fusional e siderante como o foi em “Vale Abrãao” (1993).
As colaborações continuariam ao longo de toda essa década: em “O Convento” (1995), uma vaga versão de “Fausto”, de Goethe, rodada na Serra da Arrábida com elenco internacional (John Malkovich e Catherine Deneuve ao lado de Luís Miguel Cintra e Leonor Silveira) e filme que não agradou de todo à escritora (Oliveira partira de uma ideia dela, mas com um argumento seu); em “Party” (1996), com um estranho jogo de sedução entre casais e a ameaça do mito de Don Juan filmados numa garden party na ilha de São Miguel, nos Açores; em “Inquietude” (1998), filme dividido em três histórias, com uma delas (“Mãe de um Rio”) da autoria de Agustina; por fim, já após a viragem do século, em “O Princípio da Incerteza” (2002), realizado a partir do romance “Jóia de Família”, e em “Espelho Mágico” (2005), inspirado em “A Alma dos Ricos”. E após a morte de Oliveira, em 2015, foi possível ouvir-se, enfim, os magistrais diálogos de ficção que Agustina escrevera para “Visita ou Memórias e Confissões” (com aqueles dois intrusos que entravam na casa que Oliveira já então vendera depois de contemplarem a magnólia do jardim...), nesse filme rodado logo a seguir a “Francisca” (entre 1981 e 1982) e que Oliveira quis, pelas memórias e confissões do título, que fosse póstumo.
No cinema, Agustina não foi, contudo, um exclusivo de Manoel de Oliveira. Em 2005, Rita Azevedo Gomes adaptou um texto original da escritora em “A Conquista de Faro”, curta-metragem com “uma história de bigamia e dupla traição onde as personagem centrais são Dom Afonso III e uma moura, por quem se enamorou.” Três anos depois, com Ana Moreira, Ricardo Aibéo e Rogério Samora no elenco, João Botelho adaptou “A Corte do Norte” e o enigma de uma atriz do teatro português da segunda metade do século XIX caída em desgraça e que mais tarde se cruza com a imperatriz Sissi, de férias na Ilha da Madeira. Por fim, e também de Rita Azevedo Gomes, o recente “A Portuguesa”, adaptação de um conto de Musil a partir de diálogos da grande escritora que hoje nos deixa. Tal como nos disse Rita Azevedo Gomes em março, “pedi a Agustina que escrevesse o guião, isto por volta de 2006/2007. Recebi meia dúzia de páginas, magníficas, essencialmente diálogos com breves didascálias. Foi provavelmente das últimas, senão a última coisa, que Agustina escreveu [antes de adoecer].”