Cultura

Amyn Aga Khan: “A música é o que nos une a todos”

Irmão do Grande Imã Aga Khan e diretor de muitas das instituições que a rede para o desenvolvimento mantém a trabalhar em todo o mundo, acaba de anunciar um prémio internacional para a música do Médio Oriente. O festival que deu corpo a esse galardão decorreu no último fim de semana na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa

FOTO AKDN/CÉCILE GENEST

Porque é que a Rede Aga Khan para o Desenvolvimento (AKDN) resolveu criar este prémio de música?
Penso na música como sendo um fenómeno internacional e considero que a manutenção das culturas musicais em todo o mundo é muito importante. A música requer uma dedicação em full time. Os povos viajam como sempre o fizeram e levam com eles as suas histórias, vozes e a sua música. Já temos um grande prémio de arquitetura e achei que podia criar outro de música.

O que é a música?
É aquilo que nos une a todos. A música trata da emoção, trata de sonhos. Isto acontece com pessoas de todas as raízes sociais. Basta pô-las juntas num concerto e ver-se-á que todas reagem à mesma música. Talvez de formas diferentes, mas reagirão.

Porque é que precisamos de música?
A vida sem música seria muito triste. Felizmente ela está em todo o lado. Os pássaros fazem música, estamos rodeados por ela. O homem sempre viveu com música. A linguagem da música é a linguagem das emoções, dos desejos, da alegria e da tristeza.

Qual é o grande objetivo desta iniciativa?
Em primeiro lugar, premiar os melhores artistas, tanto no que diz respeito à performance como no que diz respeito à criação. Mas espero também que seja capaz de estimular músicos mais jovens a trabalharem em novos espetáculos, pois, à medida que forem viajando, hão de encontrar novas tradições musicais e criarão uma terceira tradição.

Porque escolheu Lisboa para acolher a primeira edição dos Aga Khan Music Awards?
Por um lado, devido aos acontecimentos ocorridos no ano passado durante as comemorações do jubileu do meu irmão, e por outro porque quero fazer parte da vida cultural lisboeta. O fado também me parece uma música de sabor islâmico e isso é uma boa razão para levar a diante este festival em Lisboa.

Como olha para Portugal? Terá com o país uma relação de longo termo?
Sim. Em tudo o que fazemos criamos essa relação de longo termo, quer seja no domínio social, económico ou cultural. O que nos diferencia de uma agência de desenvolvimento normal, é que nós criamos uma relação a longo termo. Não chegamos e desaparecemos cinco anos depois. Chegamos, fazemos o que temos a fazer, vemos os resultados e iniciamos um novo passo. Reconstruímos o prédio e a seguir reconstruímos as infraestruturas à volta do prédio. Construímos uma escola, depois colocamos lá os professores. A seguir criamos pequenas lojas...

A AKDN vai também criar uma Academia em Lisboa. Que áreas culturais serão beneficiadas?
A música fará parte do programa para crianças desde a mais tenra idade, mesmo na primeira idade de desenvolvimento. Criar música, fazer música é a forma como elas aprendem a aprender. E aprendem que aprender pode ser divertido e terão disso sempre uma boa memória.

A música é uma das suas paixões?
Sim. Fui um músico amador.

O que tocava?
Piano. Frequentei o Conservatório de Música de New England, em Boston, ao mesmo tempo que estudava em Harvard.

Estudou literatura em Harvard.
Sim. Mas fui aceite também em economia, gestão empresarial, direito, ciências e arte. E como ninguém queria ir para ciências e arte, resolvi ir eu.

Foi importante para a sua vida?
Toda a educação é importante. Educação é quando nos colocam uma mala na mão e vamos pondo lá dentro o quanto feliz somos.

Porque se juntou ao seu irmão?
Sempre fomos uma equipa. Desde crianças mesmo. Crescemos no leste de África e fizemos tudo juntos a partir dos três anos de idade. O meu avô mandou-nos aos dois em várias viagens. Fomos a muitos lugares de África, fomos ao Paquistão, à Índia, etc. Portanto, era natural estar ao lado dele. E pensei, logo nessa altura, que se podia ser uma ajuda sê-lo-ia.

Como é que tem tempo para concretizar todos os seus afazeres?
Tento, apesar de todos os deveres, ter espaço para os meus interesses pessoais e culturais e ter uma vida. Vou a espetáculos de música, vejo exposições. Supervisiono a obra de instituições concebidas para salvar o património. Sou amigo do Yo-Yo Ma e tenho sido diretor do seu Silk Road Project.

Voltando aos Prémios AKMA. Porque escolheu a música de expressão islâmica para ser a galardoada?
Começámos por apoiar a música que mantinha a tradição nos seus próprios países, nos casos em que nos parecia que essa música estava em vias de se perder. A ideia é premiar alguns jovens músicos que tocam os instrumentos tradicionais. Internacionalizar a sua música e fazer com que ela não só seja preservada, mas também alvo de novas criações. Se premiarmos uma composição, sabemos que vários músicos a irão tocar e que por isso ela se vai alterar à medida que for sendo tocada. Isso é inová-la. É como um frigorífico no qual se conservam coisas e também se adicionam outras.

Consegue escolher uma área artística como sendo a sua preferida?
Gosto de todas elas. Foi por isso que dei um grande empurrão para que a Rede Aga Khan para o Desenvolvimento se estendesse à música. Não me parecia certo que a AKTC [Aga Khan Trust for Culture] fosse só arquitetura, que é como se vive, queria também que fosse música, que é como se sonha.

Em que outras áreas culturais pensa vir a intervir em Portugal?
Na pintura, por exemplo. Doámos agora duas pinturas ao Museu Nacional de Arte Antiga e uma ao Museu Nacional Soares dos Reis. Pinturas que estavam no palacete que é agora a nossa sede, em Lisboa. Achei que devíamos dá-las e o meu irmão concordou.

O Expresso viajou a convite da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento