Cultura

Paula Rego ao “Guardian”: “Fazer o retrato de Jorge Sampaio quase me matou”

A pintora portuguesa explica que escolhe pintar as pessoas que considera serem adequadas para esse papel, não sendo vital a ligação emocional. Mas no caso do antigo Presidente da República foi, por exemplo, uma exceção: “Jorge Sampaio é um homem muito bom. Ou, pelo menos, foi muito bom para mim. Ainda somos amigos”, garante

Jorge Sampaio e Paula Rego durante a apresentação oficial, em março de 2006, no Palácio de Belém, do retrato do primeiro exposto desde então na galeria dos Presidentes da República
Inácio Ludgero / Visão

Obras de Paula Rego vão integrar a exposição 'All Too Human: Bacon, Freud and a Century of Painting Life', que será inaugurada no próximo dia 28 na Galeria Tate Britain, em Londres. Foi neste âmbito que a pintora portuguesa escreveu um autoretrato, publicado esta terça-feira no “The Guardian”, onde revela vários pormenores da sua vida e do seu trajeto enquanto artista.

Paula Rego admite que fazer o retrato de Jorge Sampaio foi uma das tarefas mais difíceis enquanto artista. “Pintar o retrato do Presidente de Portugal, Jorge Sampaio, quase me matou”, confessa, sublinhando que começou esse trabalho na sala do “último rei de Portugal”, que tinha um estúdio naquela que é agora a residência oficial do chefe de Estado.

Contudo, revela, pediu depois para prosseguir a pintura noutro lugar perante as constantes interrupções do staff do Presidente. “Era completamente impossível – com pessoas a chegar e a dizer 'aquele braço não está correto', ou 'o seu nariz não é assim’. Fomos para uma sala de armários cheios de vidros e aí trabalhei muito. Fiquei num hotel próximo e ia para a cama exausta”, recorda.

A pintora explica que escolhe pintar as pessoas que considera serem adequadas para o papel, não sendo vital a ligação emocional. Mas o caso do antigo Presidente da República foi uma exceção: “Jorge Sampaio é um homem muito bom. Ou, pelo menos, foi muito bom para mim. Ainda somos amigos”, garante.

O retrato oficial de Jorge Sampaio pintado por Paula Rego
DR

Outra das obras que diz ter-lhe custado fazer foi a pintura da escritora e feminista australiana Germaine Greer, admitindo ter ficado mesmo aterrorizada na altura. “Num determinado momento, desci do estúdio, ajoelhei-me e rezei, porque estava tão assustada que não conseguia fazê-lo. Mas então eu continuei”, lembra.

Paula Rego recorda ainda que fez a sua primeira pintura aos nove anos. A modelo era a sua avó, habitualmente sentada a coser. Depois pintou a sua prima Manuela e mais tarde as criadas, que ficavam quietas. Conta que sempre fez barulho ao desenhar, uma espécie de gemido. “A minha mãe sabia que eu estava feliz a desenhar quando passava pelo meu quarto e me ouvia”, explica.

Após aprender as técnicas clássicas de pintura, a artista aperfeiçou a perícia em Londres e começou a escolher outros modelos, que mais tarde chegaram a ser mesmo os netos. “Estou sempre a contar uma história nas minhas pinturas, mesmo que essa história mude enquanto estou a pintar. Ás vezes só descubro a história depois de as terminar”.

No seu autoperfil, Paula Rego conta também que sempre fumou enquanto pintava, mas após a morte do marido, Nick Willing, deixou o vício. “Apanhei um comboio para Southend e atirei os meus cigarros ao mar. Foi isso. E não fumei de novo”, diz, revelando que desde então passou a segurar um quadro para ter as duas mãos ocupadas.

Apaixonada pela sua arte, a pintora descreve ainda a ligação forte com os retratados: “Quando se desenha uma pessoa, ela dá muito de volta. O retorno é grande. Às vezes dá tanto – que está a inundar-te com a sua personalidade e a sua alma – e dificilmente se pode impedir isso”, conclui.