Póvoa Semanário

"Pretendemos montar um tipo de negócio diferente"

A comunidade chinesa na região prepara-se para fazer novo investimento, desta feita participando num projecto imobiliário pensado para as instalações da antiga "Fábrica Mindelo" que serão convertidas numa enorme área comercial, denominada "China Trade Center". Y Ping Chow, presidente Liga dos Chineses em Portugal, partilhou em entrevista ao Póvoa Semanário os detalhes do projecto, abordando também integração da comunidade chinesa na Póvoa de Varzim e Vila do Conde, e perspectivando o desenvolvimento das relações entre os dois povos 

O que pode adiantar sobre o investimento que a comunidade chinesa está a preparar para as instalações da antiga "Fábrica Mindelo"? 

Nesse espaço, de 80 mil metros quadrados, irá nascer um projecto imobiliário onde os maiores compradores serão empresários chineses. Pretendemos montar um tipo de negócio diferente, que não venha fazer concorrência ao que já existe na região, com produtos que ainda não estejam a ser introduzidos em Portugal. Será um empreendimento onde iremos privilegiar a segurança e prestigiar um pouco mais o Comércio chinês, dando, ao mesmo tempo, maior visibilidade para aquela zona. 

Quando fala em criar um tipo de negócio diferente do que já existe, a que ser refere?

Vamos ter o que de melhor se faz na China, com produtos de qualidade superior ao que se está habituado a ver em Portugal, mas vendidos a preços acessíveis. Roupas, electrodomésticos e produtos electrónicos são algumas das áreas de mercado em que nos irmos debruçar. Não pretendemos criar concorrência aos empresários chineses já estabelecidos, mas atrair novos investidores com tipos de negócio diferente.

Será um espaço com armazéns de revenda ou de lojas abertas ao público?

Numa primeira fase vamos apostar em armazéns de revenda, porque um modelo de lojas abertas ao público não será tão atractivo para os empresários e, consequentemente, não tão bom para o desenvolvimento do espaço. Mas, depois, poderá acontecer a abertura de lojas.

E será um espaço apenas vocacionado para empresários chineses ou também estará aberto a investidores portugueses?

Os empresários portugueses serão bem-vindos para integrar este nosso projecto, e tenho certeza que farão bons negócios naquela zona. Acho que será muito interessante ter os empresários portugueses junto de nós, será bom para integração da nossa comunidade e proveitoso para os investimentos de ambas as partes.

Já tem uma estimativa de quantos novos postos de trabalho serão criados com esse projecto?

A nossa ideia é que surjam cerca de 100 armazéns, que vão necessitar de 5 a 6 funcionários cada um. Serão, por isso, criados 500 a 600 empregos directos. Nesse número, parte terá de ser funcionários portugueses, porque a comunidade chinesa não tem número suficiente para preencher todas essas vagas. Aliás, se reparar, muitas das actuais lojas e armazéns chineses tem funcionários portugueses. Depois, haverá também empregos indirectos, não são na construção das infra-estruturas como também na manutenção das mesmas. Ao todo, acho que estaremos falar em 800 a 900 postos de trabalho.

"O Jogo tem um lado perverso tantopara chineses como para portugueses"

O que tem atraído, nos últimos anos, os empresários chineses fixarem-se aqui na região?

Um dos grandes motivos foi a concentração de empresas na Zona Industrial da Varziela, em Vila do Conde, onde já existem mais de 200 armazéns chineses. Estamos a falar em mais de duas centenas de famílias que se estabeleceram na região e que fazem a sua vida e os seus consumos nesta zona. Depois, os chineses apreciam muito as cidades e as paisagens de Vila do Conde e Póvoa de Varzim, e consideram que as casas não são muito caras. Finalmente, a proximidade do Casino, pois, como se sabe, os chineses apreciam muito o Jogo.

Nessa vertente do Jogo que referiu, têm vindo a público algumas notícias menos positivas para a comunidade. Acha que isso tem influência na forma como os portugueses encaram os chineses?

Toda a gente sabe que o Jogo tem um lado perverso, que pode prejudicar, a vários níveis, tanto famílias chinesas como a portuguesas. Depende do controlo de cada um. Claro que me entristece saber que há actividades ilícitas ligadas ao Jogo, envolvendo a nossa comunidade. Mas, por outro lado, considero saudável que o Casino seja considerado também um divertimento que cria atractividade, não só na componente do Jogo como também na restauração, nos espectáculos e no lazer.

"Descendentes podem ajudara internacionalizar Portugal"

Que futuro antevê para as novas gerações de descendentes chineses que estão ser educadas com a influência das duas culturas?

Antes de mais, acho que os filhos de chineses que estão a nascer em Portugal dificilmente irão regressar a China. Irão crescer, aprender e gerar as suas próximas famílias aqui em Portugal. Possivelmente, muitos deles irão trabalhar em negócios envolvendo a China, um país que está em claro desenvolvimento e onde existe um mercado de enormes oportunidades. Acho que caberá a esses descendentes de chineses internacionalizar a presença de Portugal no Oriente, usando os conhecimentos que das duas culturas.

Na sua opinião, o que está a faltar para que as empresas portuguesas invistam mais na China?

Aqui em Portugal, a maior parte das empresas são de pequena e média dimensão, com naturais dificuldades para se internacionalizarem, ainda para mais num mercado tão longe e com uma língua e com costumes tão diferentes. É algo arriscado e que necessita coragem, mas, por outro lado, que também poderá ser muito apetecível por ser um mercado tão vasto e com um enorme potencial de crescimento. Neste momento, seria importante criar uma empresa de serviços de apoio aos investidores portugueses, que conseguisse fazer a ponte entre os dois países.

E que produtos portugueses lhe parece que seriam apetecíveis para o mercado chinês.

Portugal tem fama em algumas áreas da industrial leve e poderia aproveitar isso. Por exemplo, o vestuário e o calçado, se forem produtos de qualidade e impulsionados por uma marca forte, poderiam ter alguma penetração no mercado de luxo chinês, desde que se apostasse no marketing e na imagem. Depois, no campo de tecnologia, Portugal tem mostrado qualidade na produção de equipamentos na área das energias renováveis. Na China está a desenvolver-se uma maior consciência ambiental, que aliada às necessidades energéticas do país poderiam resultar num bom investimento. Finalmente, no campo alimentar, acho que o vinho, o azeite e alguns produtos hortícolas também poderiam ter uma penetração considerável na China, se fossem promovidos como produtos exclusivos e de luxo. Basta dizer que se um em mil chineses consumisse produtos portugueses o mercado já seria enormíssimo.

Acha que estão criadas condições para que o investimento da China em Portugal se venha a acentuar?

As grandes empresas chinesas vão apostar em países de maior dimensão, como França, Itália ou Alemanha, que lhes permitam ter maiores lucros e visibilidade. Acho que Portugal tem condições para ser atractivo ao investimento chinês, mas tem de criar melhores condições para isso, assumindo-se como uma porta de entrada das empresas chinesas na Europa, mas também em África, em especial nos países lusófonos. 

"Modelo de Comércio chinês pode alterar"

Vários comerciantes chineses têm investido na Póvoa de Varzim, comprando ou arrendado lojas nas zonas nobres da cidade. Isso terá uma tendência crescente?

O Comércio chinês está, neste momento, a sofrer algumas alterações. Por exemplo, a aposta em lojas pequenas tende a desaparecer, dando lugar a uma procura por espaços comerciais de maior dimensão, e é complicado encontrar lojas de grande dimensão no centro da cidade...Isso pode levar a alterar o actual modelo de comércio chinês que existe na Póvoa, muito assente em produtos de baixos preços.

Considera que a cidade reconhece, positivamente, o investimento chinês?

Acho que interiormente reconhecem o esforço dos chineses em investir na cidade, mas depois, ainda exteriorizam como algo que faz concorrência aos comerciantes locais. Acho que podia haver uma mentalidade mais aberta, entre as duas comunidades, em fazer investimentos conjuntos.