Reunião Geral de Alunos

Os dois lados da questão

Catarina Proença (3.º ano do 1.º ciclo de Economia da Universidade de Coimbra)

Com as comemorações do 25 de abril voltaram novamente as canções de intervenção, as antigas e as recentes. E ultimamente, estas têm estado bastante na moda. Foram mote até da manifestação da "Geração à rasca" que, para muitos, poderia ter sido o início de uma nova revolução dos cravos.

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Dada a minha condição de estudante, houve uma frase, da música Parva que sou da banda Deolinda, que me ficou e que me chateou durante algum tempo - "E fico a pensar, que? mundo tão parvo onde para ser escravo é preciso estudar". Sem refletir profundamente, numa primeira fase concordei. Sei que há precariedade, já que o sistema de emprego se adaptou através de mecanismos "mais ou menos legais" como os contratos a termo certo e os recibos verdes. Há o que designei, no meu pensamento, de "escravidão do século XXI". E neste ponto considero que os decisores políticos deviam deixar a popularidade de lado e unir esforços para corrigir erros e não os repetir.

No entanto, depois de entranhar esta frase percebi que também vou de encontro com ela. Considero que qualquer profissão é digna e precisa na nossa sociedade (por exemplo, imagine-se como seriam as nossas ruas se não houvesse "varredores de lixo"). O que tem acontecido é uma distorção nesta simples premissa de que tudo é importante. Concordo que não é justo um licenciado não trabalhar na sua área e estar, por exemplo, numa caixa de um supermercado; mas não concordo que isso seja considerado por muitos uma condição indigna. A verdade é que a quase absoluta absorção (nas três últimas décadas do século passado) de licenciados quer pela entidade pública quer pela privada está longe de se voltar a repetir. Há que perceber que as oportunidades que vão aparecendo devem ser aproveitadas, sem nunca desistir de alcançar o que concretiza cada indivíduo. Estar em casa sem produzir não é útil e atrasa cada vez mais o nosso país. Penso que não são necessários mais "parasitas".

Para além desta frase, assombrou-me e entristeceu-me perceber a diferença entre "geração à rasca" e "geração rasca" (como é que a simples palavrinha "à" pode fazer tanta diferença na perceção de um significado). Também numa primeira fase concordei que pertencia a uma "geração à rasca". Contudo, agora acredito que cada vez mais a minha geração pode ser apelidada de "geração rasca". Ora, desde miúdos os nossos pais nos deram tudo sem pensarem nas consequências que isso poderia ter para o nosso futuro. Privados de mordomias do pré-25 de abril, quiseram dar aos filhos e filhas vidas de príncipes e princesas. Vivemos nesta ilusão de que tudo é fácil desde há muito tempo. Os nossos pais trabalham, fazem sacrifícios e pagam-nos jantares, idas ao cinema, viagens com amigos e oferecem-nos um carro mal se tire a carta... Que maravilha: não fazer nada e ter tudo de mão beijada. Temos uma vida descansada e gostamos muito do nosso "umbigo" e da nossa zona de conforto.

Acontece que este reino pode desmoronar-se, já que não há castelos perfeitos na segurança e proteção dos invasores. Há um dia em que os príncipes e as princesas têm que olhar de frente para o "inimigo". E o "inimigo" pode ser o mercado de trabalho. Darwin afirma que apenas os aptos sobrevivem, logo, é necessária uma grande capacidade de adaptação e permeabilidade para ultrapassar estes "inimigos". E este é um outro ponto que faz a minha geração "rasca". Claro está, que há exceções, e estas são aqueles que têm uma perceção do futuro, têm capacidade de reação e nunca se dão por vencidos.

Por último, tenho reparado que muita gente anda adormecida, não vê os dois lados de uma problemática e a atualidade é para elas um mero sonho, mas a verdade é que ela é real (bem real). Neste sentido, a meu ver, é necessário que Portugal acorde e enfrente o que aí vem. E este "acordar" incita a nossa capacidade de ação. Não podemos desistir, nem baixar os braços. Não podemos adoptar uma filosofia de acomodação, mas sim uma filosofia de pró-actividade. Temos que ousar sonhar e querer contribuir para o crescimento da nossa economia, mesmo sabendo que os erros crassos do passado demorarão a ser pagos.

"Liberdade pode ser prisão... / Meu Deus, livra-nos do mal / e acorda Portugal.."