Foi um momento muito comovente a homenagem de ontem ao General Ramalho Eanes. É curioso que, em Portugal, há poucas coisas que conseguem unir a esquerda e a direita, sobretudo num tempo tão crispado politicamente como o que vivemos. Apenas figuras políticas do nosso passado conseguem esse feito: é uma constatação que já tinha feito e que o tributo ao General Ramalho Eanes apenas confirma, ao contar com a presença de gente tão diferente como Pacheco Pereira, Leonor Beleza, Manuela Ferreira Leite ou Jaime Gama - para além das referências bastante elogiosas, nos espaços de comentário televisivo, de Marcelo Rebelo de Sousa e Pedro Santana Lopes. Quanto a Santana Lopes, refira-se em jeito de pequena, o elogio não pode deixar de surpreender, na medida em que o ex-Primeiro-Ministro escreveu diversas vezes contra a conduta de Ramalho Eanes enquanto Presidente da República - o que mostra quão audaz é Pedro Santana Lopes, que percebe que elogiar Ramalho Eanes nos tempos que correm é popular, pelo que mais vale seguir a onda.
Bom, dito isto, o que tem Ramalho Eanes de especial? Em primeiro lugar, características pessoas únicas: esteve na Política para servir Portugal e não para se servir de Portugal, o que é um fenómeno raro nos tempos que correm. Em segundo lugar, Ramalho Eanes, ao contrário de outros ex-Presidentes, quando expressa opiniões sobre a actualidade política, fá-lo de forma descomprometida e não-alinhada com qualquer força político-partidária ou interesses económicos - diz o que pensa e o que genuinamente acredita ser o melhor para Portugal e para os Portugueses. Ao contrário de outros ex-Presidentes, que organizam comícios na Aula Magna para recuperar o protagonismo político sem o qual não conseguem viver e tentar escolher o líder do respectivo partido, Ramalho Eanes prefere a discrição, a palavra certeira, o discurso de valores, de conselho sábio e esperança no Futuro, reconhecendo que ele protagonizou o passado, é participante do nosso presente mas não poderá ser o futuro. Até esta humildade inspiradora, que outros ex-Presidentes são incapazes de ter, é verdadeiramente notável em Ramalho Eanes.
Agora, como eu escrevi aqui no domingo, em Portugal, o Presidente da República, tal como os líderes dos partidos, estão a converter o Tribunal Constitucional como o principal órgão político - o que é um risco enorme para a democracia, contrariamente ao que a grande maioria dos cidadãos pode pensar. E , portanto, é natural que haja uma propensão para um certo revivalismo: se pensarmos bem, os portugueses, na sua história (nossa história!) recente, não têm muitos factos positivos para recordar e comemorar. Não há um facto, nas últimas décadas, desde o 25 de Abril que possa ser uma fonte de esperança e um motivo para reforçar a coesão nacional - daí que o nosso revivalismo se centre no episódio (25 de Novembro de 1975) que consolidou a nossa democracia, a nossa vitória sobre o regime mais odioso, mais sangrento de todos que é o comunismo, e na figura que o protagonizou: o General Ramalho Eanes. Ironia do destino (ou do destino ajudada por alguns homens!): após a Reunião da Violência de Mário Soares, em que se insinuou que a nossa democracia vai cair e que poderá vir aí uma ditadura, eis que surge uma homenagem pública ao protagonista político da nossa História que evitou a violência e consolidou a democracia! Portanto, a homenagem de Ramalho Eanes, objectivamente, foi muito positiva, como contraponto àquela sessão de "catastrofismo colectivo" a Reunião dos Esquerdistas apaixonados por Mário Soares...
Um último ponto muito interessante: o político mais parecido com Ramalho Eanes é o actual Presidente da República. Ambos são self-made men, não vieram da chamada burguesia lisboeta, deram uma imagem, real ou ficcionada, de distanciamento partidário e que cultivam a ideia de autoridade. Ora, curiosamente a homenagem surgiu numa altura em que Cavaco Silva reforça o seu poder...Muito interessante, pois, esta homenagem a Ramalho Eanes.
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