1. Pela primeira vez, o Presidente da República vetou um diploma do Governo. Este é um facto político da maior importância: Cavaco Silva não deixa nada ao acaso. Nem na forma, nem no conteúdo dos seus atos. Muito menos no timing. É um recado claro e inequívoco: o reafirmar de que não esquecerá os ataques pessoais vindos do Governo e do PS (identifica, assim, a fonte que pedira aos jornalistas que investigassem no discurso de vitória) e que, a partir de agora, José Sócrates terá de ter muito juizinho na relação institucional com a Presidência da República. Para adiar a sua morte política ao máximo.
2. Quais os efeitos políticos do veto? Para já, são três:
a) O fim da concertação permanente e eficaz entre a Casa Civil de Cavaco Silva e a Presidência do Conselho de Ministros. Se recuássemos no tempo (menos de um mês), tudo seria resolvido entre Silva Pereira e Nunes Liberato - o Governo cedia nalguns pontos e o Presidente da República promulgaria. Ou, então, traumatizado pela sua experiência como primeiro-ministro e a "força de bloqueio" de Mário Soares, Cavaco Silva promulgaria, com uma mensagem de discordância. É que - recorde-se - o veto presidencial sobre diplomas do Governo tem mais força do que em relação a diplomas da Assembleia da República. Porquê? Porque é absoluto: significa que não é possível ultrapassar o veto, confirmando o diploma. Se fosse um diploma da Assembleia da República, o diploma poderia ser votado novamente por maioria absoluta - e Cavaco Silva seria obrigado a promulgar. Tratando-se de diploma do Governo, este terá de iniciar novo procedimento legislativo, correndo o risco de ver o diploma novamente a ser vetado. Ou seja, o poder de veto sobre diplomas do Governo é um poder mais forte, que Cavaco Silva não se coibirá de utilizar no futuro. É evidente que só o faz porque sabe que o Governo está fraco, a oposição perdida em cálculos e taticismos - e ele é o único ator político com força acrescida, até pela reeleição inequívoca.
b) A confirmação de que Cavaco Silva será a chave do sistema político. Neste sentido: Cavaco Silva não irá dissolver a Assembleia da República. Não faz parte da sua personalidade política, não correrá esse ónus: deixará o Governo queimar-se. Até lá, terá um papel preponderante, sobretudo depois de março/abril: o Governo está de cócoras perante o Presidente da República! Esta é a verdade - não há volta a dar-lhe, por muito imaginativo e criativo que se seja! Será Cavaco Silva quem marcará a agenda política. Será Cavaco Silva quem gerará equilíbrios nesta fase complicada. Será Cavaco Silva quem dará o sinal para apresentar a moção de censura no Parlamento. Conclusão: era uma vez um Governo! O Governo José Sócrates, neste momento, olha para a esquerda - e não pisca-pisca. Olha para a direita - e não pisca-pisca. Olha para cima, para o Presidente - e já nem esse pisca-pisca lhe dá cobertura política. Lá se foi todo o pisca-pisca do Governo: está ferido de morte, não há boia de salvação possível;
c) É inequivocamente um sinal para o PSD. Depois do PCP dizer "Passos Coelho avança com toda a confiança!" - viabilizará moção de censura apresentada pela direita - , este veto de Cavaco Silva é música celestial para os ouvidos de Passos Coelho. Significa que o Presidente da República verá com bons olhos uma nova solução política a breve trecho. Para além de, objetivamente, provocar o desgaste de um Governo já em estado comatoso. Começou-se, pois, a escrever o início do fim do Governo José Sócrates.
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