O outro parece-nos aflito. Fecha-se. Sentados à mesa de um restaurante ao jantar, paira de repente no ar uma inquietação que o aflige. Nada há que o outro nos diga. E, contudo, cria-se um clima com uma atmosfera pesada: inquietante. Fica-se desassossegado. O ambiente fica insuportável.
Na realidade não se passa nada.
Mas a partir do interior da própria situação compreende-se que o que estava a correr normalmente muda súbita e repentinamente.
Sente-se o outro preocupado com, e aflito por, qualquer coisa que o deixa inquieto. Sem sabermos de que se trata, somos submergidos por uma onda que se forma e que, num crescendo, fica com um peso insuportável.
Perguntamos ao outro pelo que se passa, pelo que aconteceu.
O outro diz-nos: "Nada. Não é nada, não te preocupes que já passa."
O "nada. Não é nada, não te preocupes que já passa" não só não me deixa sossegado, como é o gatilho que, agora sim, faz disparar em mim os níveis de ansiedade de forma totalmente descontrolada.
Não há razão nenhuma para estar preocupado, sobretudo agora que o outro me diz: "Nada. Não é nada, não te preocupes que já passa."
Mas ao ficar na ignorância, sem qualquer dado do problema que se põe ao outro, fico preocupado.
Este "nada. Não é nada, não te preocupes que já passa" é dito de uma maneira que me revela a gravidade da situação.
Nada há, no entanto, que salte do interior da sua cabeça para o exterior e depois para o interior da minha cabeça. Não é a interrupção abrupta do jantar, nem o jogo fisionómico do rosto do outro a contrair-se.
O ambiente é sereno, a música ambiente de bom gosto, a comida excelente. Nem é por se ter calado, quando antes falava abertamente, nem porque ficou com um semblante sério, quando à pouco estava a sorrir de contentamento e até estava divertido.
Realmente não se encontram indícios para o que está a passar-se. E, contudo, cria-se um outro clima, a atmosfera adensa-se, a onda forma-se aí.
Tudo muda, simplesmente, mas "não é nada". É este "nada. Não é nada, não te preocupes que já passa" que está na origem da mudança disposicional.
Os acordes do pianista deixam de se ouvir, o barulho do restaurante é abafado, a comida arrefece no prato. Cresce o silêncio. O estar com o outro a jantar naquele restaurante altera-se. Estava a correr tão bem e agora corre mal.
Mas a viragem pode tornar-se reversível. Depois de atingir o seu paroxismo confuso e perturbante, atenua-se. Não deixa de haver, ainda assim, uma flutuação e uma instabilidade atmosféricas.
O que aflige desvanece-se então. O outro recompõe-se. Parece voltar à disposição habitual. Acalma-se. A atmosfera opressiva do restaurante é dissipada. A música volta a fazer-se ouvir. Voltamos a debruçar-nos sobre a comida já fria no prato, retoma-se a conversa agora aligeirada. Fala-se de coisas banais com a boa disposição de quem se encontra para jantar.
A preocupação não abandonou outro. Mantém-se lá onde estava, ainda que neutralizada e esbatida na sua manifestação. Está como que ao largo, ocultada e escondida dos outros sem nunca nos largar, retendo-nos.
É o X indeterminado que é fonte e origem da preocupação do outro vivida também por mim concretamente. É a indeterminação determinável do que preocupa o outro que me faz ficar preocupado com ele, é isso que me arrasta consigo e deixa num estado solícito, e me interpela.