A quem deste os melhores anos da tua vida? A ninguém. Roubaste-os a alguém. A ti.
Havia sempre alguma coisa nos rostos das pessoas, uma afinidade electiva que seleccionava e segregava. Aos cinco anos envelhecera. Tinha chegado ao fim.
Tique Taque, tique taque, tique taque, uma da tarde o Telejornal e o tempo desencadeara-se da repetição e da domesticação do quotidiano. Tique taque: tudo vai ser diferente. Agora. Agora tudo vai ser diferente.
Fecharam-se as janelas ou então quando mantidas abertas evitavam olhar lá para baixo.
Voar por instantes e cair da janela abaixo do desespero contra o qual nem os gritos agudos provocavam o espanto.
Não adormecia há dias. Não havia alívio. Um só instante em que pudesse estar fora de si, sem o peso total da asfixia.
A quem deste os melhores anos da tua vida? A ninguém. Roubaste-os a alguém. A ti.
Décadas de disciplina e vidas possíveis. O académico que sempre quisera ser trazia-lhe ainda o espanto da leitura. E Ulisses no livro do regresso cheio de pretendentes para assassinar. E chegou.
Chegar sim, mas devagar. O igual é sempre difícil. O igual é igual e não é diferente. E só se chega porque o diferente se tornou igual e o diferente tornar-se igual é o princípio da contradição do princípio da não contradição. A=A=A=A.
Não se chega já a lado nenhum, porque o tempo de regressar acabou com aqueles a quem se quer chegar. E como se chega a si sem os outros?
Em todo o lado do mundo, em todo o lado do universo, tudo e o vazio.
Tique Taque Tique Taque.
E quando morrermos, ficamos a lembrar-nos sempre do melhor mês das nossas vidas? Ou do melhor dia? E tal para sempre? Junho.
Quando parece haver-se reposto a eternidade da infância.
Onde quer que estejas, como quer que tu sejas, de quem quer que sejas.
Tique Taque Tique Taque.
A quem deste os melhores anos da tua vida? A ninguém. Roubaste-os a alguém. A ti.