O modo do tempo

Modo condicional

António de Castro Caeiro

O modo da realidade é o indicativo. É o que se usa no enunciado declarativo. "O céu é azul", "as paredes são brancas", "ontem, esteve bom tempo", "para a semana haverá um feriado". Mas o modo indicativo não é o único em que nos expressamos.

Utilizamos o imperativo e o conjuntivo com vários matizes. Não damos ordens apenas. Fazemos pedidos, expressamos desejos, encorajamos e suplicamos com imperativos e muitas vezes com um simples "anda lá, vá!".

Mas há um modo peculiar em português, o condicional. Com ele expressamos várias hipóteses.

No presente: "se viesses, iria ter contigo". "Se não viesses, ficaria triste".

No passado: "se tivesses vindo, teria ido ter contigo". "Se não tivesses vindo, não teria ido ao teu encontro". A gramática descreve este período condicional de diversas maneiras. O ponto aqui não é descritivo.

Qual é o modo mais decisivo com que descrevemos as nossas vidas?

Muitas vezes dizemos de nós para nós que seria tudo diferente, se não fosse como é. Pensamos de nós para nós que nos aconteceu o que não devia ter acontecido. Talvez o que devesse acontecer, não aconteceu.

Mas não compreendemos a nossa vida apenas a partir do potencial, do que poderia ou não poderia, do que seria ou não seria.

Interpretamo-la a partir do irreal, a partir do que não poderia ter acontecido e aconteceu bem como a partir do que deveria ter acontecido e não aconteceu de todo.

Não foi.

A nossa interpretação pode ainda ser levada ao extremo. É quando avaliamos o gosto que fazemos na nossa vida. Quando dizemos como gostaríamos que tudo tivesse sido diferente. Como gostaríamos de ser diferentes e de sermos como não somos.

Qual é a relação do condicional com o modo da realidade? A realidade é o que é no indicativo. O que há é o que há e o que é é o que é. O que não há não há. O que não é não é.

Mas que gosto fazemos com o que há, se o que houver for exactamente o que não era suposto ter sucedido? E que gosto há não que não há? Justamente, por não haver? Foi tudo em vão? É tudo vazio? O que é no modo indicativo é a realidade no seu todo.

Podemos fazer gosto no que não há e acabar com o que há e podemos fazer gosto no que há e tentar preservá-lo. É por isso que a realidade não se basta a si própria.

Como gostaríamos que tudo fosse diferente! Como gostaríamos que não tivesse sucedido o que sucedeu! Como gostaríamos que tivesse acontecido o que não aconteceu!

Como gostaríamos, às vezes, que nunca nada tivesse sido.

O indicativo é o modo da realidade quando afirma o que não foi, não é, nem será.

O que não foi, não é, nem será era pode ser o que mais gostaríamos que tivesse sido, fosse e viesse a ser.