O modo do tempo

Fim das Férias

António de Castro Caeiro

Mergulhávamos entre o último dia de Setembro e o primeiro de Junho. Havia: a avó, a mãe e o pai. O mano e eu pegávamos nas toalhas. Ficávamos de atalaia. O carro estava carregado com tudo para as férias. Era o carro? Ou a impossibilidade de ir de férias?

Alcântara era atravessada e a ponte. A ponte Salazar ou a ponte 25 de Abril? Para nós era a ponte sobre o Tejo. Parece um Dinossauro bordeaux. As pernas apoiam-se no rio. O rio é a sepultura dos trabalhadores da construção da ponte.

O Cristo Rei de braços abertos acolhe-nos a sul. A cidade e as suas ruas e o que lá vivemos acolhe-nos a norte.

E o rio o que diz? Enche e vaza. O rio.

Alguém chama "ribeirinho" a quem viveu sempre a ver o rio a descer para o mar. O Atlântico leva e não traz.

Onde estão todos os afogados? Onde? E a vida continua sem eles. E as férias trouxeram os primeiros mergulhos no Oceano, aqueles que sofocavam.

O carro cheio para férias está na rua.

Partíamos às oito da manhã. Havia farnel. E chegávamos às seis da tarde.

O Beta, o Manel da Manjedoura, os amigos que se foram.

Onde estão todos?

Não se foram.

Era o carro carregado para as férias, para os amores de verão. Para o mergulho. O mergulho a sul. Antes de haver Norte, Sul, Este e Oeste.

"Um dia vais sentir a falta dos pais". "O irmão chora o Beta." "O pai chora o Manel da Manjedoura". Que é feito de nós?

O Rio Mira tem as braçadas da vida.

A vida foi-se. Não. A vida vai-se.

Mergulhávamos entre o último dia de Setembro e o primeiro de Junho.

Onde? Quando?

Mergulhos no Oceano depois de meses na cidade. A cidade!

Mergulho.

O Oceano.

Do último dia de Setembro. Havia tantos dias que eram os últimos de Setembro.

Até Agosto.

Em Agosto: e tudo será diferente!

As ondas morrem na praia.

A praia já não é a da infância.