1. Desde que iniciei funções como deputada em 2009 que, com alguma frequência, neste ou naquele forum, me perguntam se, quando deixar de o ser, vou ter direito a "uma reforma para toda a vida". Por muito que me esforce, por muito que diga que não, que já acabou e que só se aplica a antigos deputados que em 2005 já tivessem completado 12 anos no exercício de funções e que, já agora, os pressupostos que estavam na base da sua atribuição não eram, de todo, os de uma reforma, fico sempre com a certeza de não ter dissipado todas as dúvidas. A confusão que por vezes se faz nos meios de comunicação social, e particularmente nas redes sociais, é tanta, tão grande e dissemina-se tão rápido que o esclarecimento torna-se quase impossível.
Esta semana deitou por terra o meu esforço. O meu e o de tantos outros deputados a quem, a pretexto de pretensos benefícios e privilégios, são feitas acusações e desferidas críticas. Porque demos uma péssima imagem de nós próprios e daquilo a que impropriamente se costuma chamar "a classe política". Estivemos mal, na substância e na forma.
2. A subvenção vitalícia foi criada em 1985 e assumia-se como "medida de segurança social que visa a atenuação, sob um figurino compensatório, dos efeitos do afastamento do exercício da profissão que a carreira política impôs aos titulares de cargos políticos".
A ela tinham direito os titulares de cargos políticos, e concretamente os deputados que tivessem completado oito anos no exercício de funções e, mais tarde, com a alteração legislativa de 1995, um total de doze anos. A Lei de 2005, da responsabilidade do Governo PS de José Sócrates, veio revogar a subvenção vitalícia sem, contudo, bulir com os direitos adquiridos, isto é, com o direito daqueles que, à data, já tinham completado 12 anos no exercício de funções e, portanto, já haviam percebido o direito à subvenção.
Contudo, foi já em 2014 que o Governo PSD/CDS - na impossibilidade de cortar, sem mais, a subvenção daqueles cujo direito já se constituíra em 2005 - entendeu suspender ou restringi-lo, ao introduzir uma espécie de "condição de recursos": em função do valor do rendimento mensal médio do beneficiário e do seu agregado familiar no ano a que respeita a subvenção a mesma é suspensa se o beneficiário tiver um rendimento mensal médio, excluindo a subvenção, superior a € 2000; ou fica limitada à diferença entre o valor de referência de € 2000 e o rendimento mensal médio, excluindo a subvenção, nas restantes situações.
Foi este, sem surpresa, o entendimento plasmado no Orçamento de Estado para 2015. Surgiu contudo, pela mão de dois deputados do PSD e do PS uma proposta de alteração que propôs a eliminação desta "condição de recursos", substituindo-a por uma contribuição extraordinária de 15% sobre os montantes que excedam os 2000 euros.
No domínio da substância a questão é tão simples quanto grave. Numa altura em que continuam a pedir-se sacrifícios a funcionários públicos, pensionistas e, em diversos domínios, à generalidade dos portugueses, os políticos não podem escolher desagravar os sacrifícios que sobre si (ou, no caso concreto, pelo exercício dessas funções políticas) impendem. Não está em causa o valor global das subvenções, que é curto. Nem o número relativamente reduzido de beneficiários. Do que se cura é de dar um sinal: se há espaço para reduzir sacrifícios, os cidadãos vêm primeiro.
3. Não é crível que, volvidos três orçamentos - e, portanto, já habituados a uma espécie de "norma não escrita" que impõe que propostas de alteração do Orçamento de Estado sejam no seu conjunto neutrais (isto é, não aumentem a despesa do Estado), - os deputados tenham "ousado" apresentar uma proposta desta natureza sem o respaldo dos dois partidos. Para mais tratando-se de uma proposta, no mínimo, controversa. Por isso, e por muito que se tente isolar a ideia nos seus proponentes, a opinião pública e os media escrutinaram com particular severidade o "regresso das pensões vitalícias para os detentores de cargos políticos". A votação em sede de Comissão Parlamentar só viria confirmar essa suspeita. Afinal PSD e PS, que não logram qualquer entendimento em matérias estruturantes para o futuro do país - questões de fundo como a reforma do IRC, a Fiscalidade Verde, a reforma do mapa judiciário ou a Reforma do Estado -, conseguem pôr-se de acordo sobre a alteração do regime das subvenções vitalícias. E se é este o exemplo que os dois principais partidos estão dispostos a dar ao país, são - receio bem - inteiramente justificadas as críticas mais duras de que genericamente vão sendo alvo.
Acresce que a votação em comissão, e a subsequente retirada da proposta em Plenário logo no dia seguinte e, valha a verdade, apenas porque o Bloco de Esquerda exigiu que a discussão ali tivesse lugar, deu espaço a especulações e considerações de toda a sorte e género. Da falta de união nas duas bancadas à evidente trapalhada parlamentar em que a situação se transformara.
Valha a verdade: só quem não conhece os deputados do PSD, e o largo espectro que a diversidade de opiniões pode alcançar no grupo parlamentar, pôde algum dia imaginar que uma proposta destas - cuja apresentação passou relativamente despercebida para a grande maioria dos deputados que não têm assento na COFAP - pudesse ser votada em plenário sem ter sido discutida pelos deputados. E aqui, contrariamente ao que sucedeu nas hostes socialistas, esteve bem Luís Montenegro ao assumir, na qualidade de líder parlamentar, a responsabilidade pela gestão do processo e subsequente retirada da proposta.
4. Não embarco no populismo que grassa em alguns sectores da nossa sociedade (até da "sociedade política") que considera elevados os vencimentos dos deputados ou que pugna pela exclusividade do mandato. Pelo contrário. Mas não é isso - nada disso - que aqui está em causa. Do que se cura é da ordem de prioridades por que orientamos a actividade política e da percepção pública que permitimos ou proporcionamos tenham de nós. Enquanto deputados ou, na expressão que me desagrada, enquanto classe política, contribuímos em causa própria para que medre na sociedade portuguesa a imagem de um certo amadorismo na gestão dos dossiers, de imponderação e de uma errada ordem de prioridades. E se "desconstruir" essa imagem já não era fácil, a "novela" das subvenções só veio tornar essa tarefa mais difícil.